Por que somos montanhistas?

Entre muitas caminhadas, travessias, escaladas e outras atividades na montanha, tive a sorte de sempre conviver com muitas pessoas de gêneros, idades, lugares e formas de viver a vida diferentes. Entre muitos bons papos ao redor do acampamento, olhando as estrelas (naquelas noites em que o frio não nos expulsava para a barraca), um assunto sempre foi muito comum: “por que somos montanhistas?”. Quantas boas respostas eu já recebi. Mas não só isso, quantas outras ótimas respostas eu mesmo já dei, sempre pensando em motivos novos, como se essa pergunta não tivesse uma resposta exata… Como se a evolução e a proximidade com tudo aquilo fosse sempre agregando fatores importantes dentro de um profundo processo de autodescobrimento, como se as montanhas, fossem pouco a pouco mostrando novas partes de mim.

Eu confesso que esse questionamento não permanecia somente entre as inúmeras boas (ou ruins) áreas de acampamento que já passei. Pelo contrário: todo dia de manhã, o guardava dentro de mim, bem como quem coloca algo na mochila para progredir na caminhada, carregando-o entre barracas, sacos de dormir, isolantes e anoraques, dando continuidade ao ciclo de reflexão a cada parada que a expansão dos meus limites humanos me permitia. Junto a todos esses equipamentos, este pensamento vinha para casa, retirado com carinho junto com o resto. Entre cuidados, manutenções, descansos e vidas rotineiras, aquele sorriso rápido carregado de boas lembranças, despertado como um forte vento gelado de inverno… Afinal, por que eu sou assim?

Depois de alguns anos de experiência, apesar de ainda ser muito novo, consegui chegar a algumas respostas que meus olhos e mentes, tão críticos, conseguiram juntar… Depois de um bom tempo tomando coragem, resolvi escrever esse texto pensando o quanto ele pode ser inspirador e esclarecedor para muita gente. Claro, também pode ser extremamente discordante do que muitas pessoas creem, o que é totalmente válido, já que é exatamente na diferença de opiniões que está a beleza da vida que vivemos ao ar livre, sempre debatendo e aprendendo com os outros nas paisagens mais ricas que podem ser vistas. Aqui, não pretendo esgotar ou “definir” esse assunto, mas apenas introduzi-lo ao debate, baseado em minha percepção sobre isso tudo que vivemos.

Assim, entendo que os principais motivos pelos quais qualquer pessoa se torna um praticante de atividades de montanhismo estão baseados em uma forte procura por algo maior. Mas não entenda esse “algo maior” apenas como alguma religiosidade ou uma filosofia barata de coach, mas sim algo maior no seu âmbito pessoal, algo que é realmente importante para ela… algo que a motiva e traz felicidade, que a preenche de orgulho e superação. Esse algo maior pode ser um infinito de coisas muito peculiares e particulares, mas que hoje consigo enxergar em boas três formas de pensamento: o desejo por autodesenvolvimento, por estar em comunidade ou por uma conexão com a natureza… reflexões que podemos melhor trabalhar a seguir.

Porque somos Montanhistas?

O desejo por autodesenvolvimento

Quando se pensa em autodesenvolvimento, na hora, lembro dos amigos que começaram no esporte buscando uma prática esportiva que contribuísse para a saúde e o bem-estar… Muitos são aqueles que buscam o montanhismo por um desejo de melhora em seu condicionamento físico aliada à diversão que aquela atividade proporciona. Alguns se sentem altamente fatigados nas primeiras trilhas, mas logo percebem o quão seus corpos conseguem vencer desafios antes inimagináveis. Também existem os que migram de outros esportes, já bem preparados e em forma, mas que acabam por migrar por uma atividade que lhes proporciona diferentes perspectivas do mundo. O sentimento de novidade e de que infinitos desafios, que a montanha apresenta, empolga e apaixona.

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Também existe o claro desenvolvimento mental e psicológico. Há um enorme ganho em autoestima, em autossuficiência e na capacidade de liderança. Quem nunca chegou em casa depois daquela montanha muito difícil e pensou: “caramba, se eu consegui isso, eu consigo correr atrás dos meus objetivos”? Muitos são aqueles que entram no esporte após um trauma severo na vida, como o fim de um relacionamento ou um processo depressivo. Ao passar do tempo, essas pessoas vão desenvolvendo suas próprias ferramentas de combate a isso tudo, muito movidos aos benefícios e evoluções proporcionadas pela atividade… Ah, como isso é comum! Ao avançar no esporte, há uma grande expansão da zona de conforto, onde situações de aventuras antes pensadas como impossíveis, se tornam agradáveis e prazerosas, movidas pelo desejo de superação dos limites. Óbvio, isso quando realizado de forma saudável e segura.

Existe também uma evolução cognitiva clara, afinal, planejar aquele roteiro, montar a logística, observar a paisagem por onde se tem que caminhar e tomar decisões puxam essa evolução. Sabe aqueles aprendizados que, durante toda a sua vida, ficaram presos e enquadrados em paredes numa sala de aula? Na montanha o conhecimento é livre, leve e necessita de aplicações constantes, afinal, é a prática que faz um bom montanhista.

Por fim, existem aqueles que buscam apenas a diversão, simplicidade e a inocência de uma felicidade em suas rotinas. Todos merecem curtir aquela trilha que aparece na janela do ônibus. Lá em cima, tirar aquela foto irada e mostrar a todos, com orgulho do que foi feito e de como gosta de aproveitar a vida. Nem tudo precisa ser complexo e cheio de “desenvolvimento pessoal”. Papo chato para maioria, né? Bom mesmo é curtir aquela trilha muito maneira e, depois, tomar aquela cerveja ou aquele suco com os amigos… E, quem sabe, depois mergulhar de vez na cultura do montanhismo. O ponto é que, às vezes, a gente complica demais a vida e os nossos pensamentos. No fim de tudo, o que importa é ser feliz.

Trail Running
A busca pelo autodesenvolvimento físico e mental me levou a participar de provas de trailrunning.

Estar em comunidade

Outro fator muito importante que faz com que as pessoas mergulhem de vez na prática de esportes de montanha está no desejo de pertencimento a algo maior, sejam aqueles amigos trilheiros do fim de semana, aquele grupo de Whatsapp bem divertido e cheio de figurinhas ou, até mesmo, algo visto como toda uma cultura, com suas histórias e lendas. Todos os que praticam essas atividades lembram como muita alegria dos momentos que passaram com tantas outras pessoas legais e interessantes nas montanhas em que estiveram. Lembram com carinho daqueles bons papos no acampamento (como eu mesmo me lembrei no começo desse texto), dos momentos de descontração enquanto estavam em uma trilha ou daquela superação difícil que tiveram juntos em uma a travessia muito difícil. O forte desejo do ser humano em estar em comunidade e de ter relevância é um dos fortes motivos que nos levam às montanhas.

Esse desejo de estar em comunidade, claro, traz consigo também o desenvolvimento de capacidades socioemocionais. Melhoram a sua capacidade de comunicação e de colaboração. O montanhista, ou qualquer outro nome que lhe possa ser atribuído, passa a entender que a cooperação é um dos aspectos mais importantes no esporte. “Nós viemos até aqui juntos e vamos terminar juntos”. Além disso, é enorme a bagagem cultural e humana que se traz para casa depois de cada expedição em um lugar novo, em convívio com a comunidade local… Para aqueles que entendem a essência do montanhismo, ficam os ricos aprendizados e os amigos que fazem pelo caminho, muitos daqueles impensáveis no fluxo normal da vida. Como você seria amigo daquela pessoa com profissão tão diferente e de tão longe? Ah, a montanha une boas energias!

Deste processo, saem seres humanos melhores, mais altruístas e responsáveis, que aprendem a viver melhor com os outros e com as diferenças, não só nas montanhas e travessias que fazem parte, mas também em sua vida cotidiana, entre diversos outros amigos e familiares.

Montanhistas do Clube Outdoor
Como é bom estar com os amigos na montanha. Foto: Clube Outdoor.

A conexão com a natureza

Existem aqueles ainda que são motivados por uma maior conexão com o ambiente natural. As belas paisagens compostas por montanhas, florestas, lagos e, até mesmo praias, são tão apaixonantes que cativam aos que querem estar mais próximos delas, sobretudo dentro de um contexto de civilização tão urbana que vivemos hoje em dia. Estes querem, apenas, estar ali, em uma maior conexão e presença da natureza, aproveitando cada sensação que lhe é proporcionada, observando a vegetação, os animais e as formações rochosas existentes. Quem nunca viu uma paisagem nova e pensou: “como é possível isso existir?”. Cresce a vontade se se expandir a visão para o infinito de onde os olhos podem ver. Afinal, nós fazemos parte da natureza e é total inocência de qualquer um pensar o contrário.

Claro, preciso mencionar aqueles que, sim, possuem uma formação ou uma enorme curiosidade em aprender sobre alguma das ciências da natureza. Estes procuram estar tão próximos daquilo, não só em aventuras, mas em estudos e aprendizados. São os que querem viver aquilo intensamente, aprendendo e observando na prática, tudo aquilo que escolheram para suas vidas como profissão ou de estudos curiosos. Eu sou um exemplo disso, como Engenheiro Ambiental, motivado exatamente por isso tudo quando ainda adolescente, posso dizer que estou sempre estudando e aprendendo a cada caminhada por aí.

Para certas pessoas, não há a necessidade de buscar uma maior conexão, pois eles já o tem, desde certo momentos de suas vidas. Para estes, a montanha é muito mais do que uma viagem, ou um desafio, eles a vivem e a veneram, seja por uma enorme afeição local para com aquele ambiente ou, até mesmo, por questões espirituais. Comunidades e povos locais são o que de mais belo tem nessa relação, já que esses são seus verdadeiros protetores, filhos daquelas montanhas.

Porque somos montanhistas
A conexão com a natureza na Travessia Marins x Itaguaré. Foto: Filipe Brito.

Vá para as montanhas

Independente de sua origem, credo, raça, gênero ou qualquer coisa que lhe defina, vá para as montanhas. Eu posso lhe garantir o quão belo e engrandecedor é, quando feito com harmonia e consciência. Seja qual for os seus motivos, se procura por si, por amigos ou pela natureza, só vai! Melhor ainda: se você procura por tudo isso em um só lugar, é aqui que você vai encontrar e tenho certeza do quanto isso vai te transformar.

Aos que leram esse texto, deixo minhas sinceras reflexões e espero, honestamente, poder inspirar muitas outras novas. Aos que gostam de uma boa conversa, assim como eu, concordam, discordam ou querem acrescentar muito mais a este assunto, lhes pergunto: por que vocês são montanhistas?

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Bruno Negreiros

Engenheiro ambiental e montanhista, assumiu a coordenação socioambiental do Gear Tips em 2020, com o sonho de contribuir para a disseminação dos esportes ao ar livre e de aumentar a conscientização ambiental e social no mundo outdoor.

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