Acessibilidade na natureza: experiências inclusivas que transformam vidas

As histórias de Bruno Dutra, de Niterói (RJ), e Filipe Ferreira, de Itapema (SC), se conectam. Ambos cresceram praticando atividades na natureza, interrompidas por acidentes de motos que os levaram às cadeiras de rodas. Na vida adulta, Bruno desejava retornar ao Costão do Itacoatiara, enquanto Filipe sonhava com o Pico da Pedra. Com a ajuda de projetos inclusivos, ambos puderam reviver momentos inspiradores.

A inclusão de pessoas com deficiência em montanhas, trilhas e cachoeiras não apenas promove a igualdade de oportunidades, mas também contribui para o bem-estar físico e mental. Enquanto, para alguns, a acessibilidade representa a continuidade do estilo de vida que levavam antes da deficiência, para outros, é uma oportunidade de recomeço, de resgate da autoestima e da autoconfiança, além de favorecer a integração social.

“Após vivenciarem experiências ao ar livre, as pessoas com deficiência voltam a viver, saindo do estado de isolamento e depressão. Muitos, inclusive, reativam suas redes sociais para compartilhar momentos inspiradores e influenciar outras pessoas”, conta Alan Jacob, idealizador do Voluntários da Montanha.

Patricia Mira, da ONG Montanha em Movimento, afirma que é comum receber depoimentos de pessoas que estavam sem sair de casa há anos. “Quando os PCDs saem de um lugar onde se sentem incapazes, passam a acreditar neles. A inclusão é transformadora. Ela liberta.”

Para a psicóloga, neuropsicóloga, doutora e mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP Andrea Lorena da Costa Stravogiannis, promover a acessibilidade é essencial para que as pessoas desenvolvam e aprimorem suas habilidades sociais. “Um estudo mostrou que o contato com a natureza reduz a ruminação mental – hábito de remoer os mesmos pensamentos, geralmente negativos. Além disso, há a melhora do humor, promoção do senso de pertencimento e da capacidade de resiliência.”

Andrea reforça, ainda, que programas na natureza podem ajudar na ressignificação da relação da pessoa com seu corpo e suas capacidades, contribuindo para a reconstrução da autoimagem e de sua autonomia.

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Apesar dos inúmeros desafios e barreiras, a participação de pessoas com deficiência em atividades de trilha e montanhismo tem crescido, impulsionada por projetos e iniciativas que promovem a inclusão e a acessibilidade. No Brasil, diversos projetos voltados a pessoas com deficiência física, visual e intelectual proporcionam experiências transformadoras e desafiadoras.

Acessibilidade, inclusão Isa em Capivari

‘Aonde você quiser ir, eu vou te levar!’

Essa foi a promessa que Guilherme Simões Cordeiro fez a Juliana Tozzi, sua esposa, após o diagnóstico de degeneração cerebelar paraneoplásica, uma síndrome neurológica extremamente rara, durante a gestação de Benjamin.

Com a mobilidade reduzida de Juliana, o casal apaixonado por trilhas, montanhas e viagens buscou alternativas para que o estilo de vida na natureza não fosse abandonado. Ao perceber que não havia equipamento no Brasil que permitisse a inclusão de Juliana na montanha, Guilherme desenvolveu a Julietti, uma cadeira adaptada projetada especialmente para a esposa. Hoje, a Julietti é referência em acessibilidade e mobiliza grupos de voluntários por todo o Brasil.

A história ganhou visibilidade na mídia, em programas como o Esporte Espetacular. “Percebemos que havia muitas pessoas que também poderiam se beneficiar com o equipamento. Começamos, então, a pensar em formas de expandir o acesso às cadeiras.”

Com o desejo de proporcionar a outras pessoas com deficiência as mesmas experiências na natureza vivenciadas por Juliana, o casal fundou o Instituto Montanha para Todos, incentivando o uso compartilhado dos equipamentos. Atualmente, Guilherme e Juliana comandam uma fábrica de cadeiras Julietti em Santa Catarina, ministram palestras e produzem documentários para a TV Globo.

Guilherme, Juliana e Benjamin - Montanha para Todos

“Em um ano, vendemos 1.200 cadeiras para o setor público, destinadas a áreas de preservação urbana, como praças, hortos florestais, zoológicos, além de parques municipais e estaduais. Conseguimos provar que equipar os locais era muito mais barato do que realizar intervenções de construção civil nos parques. Queremos que a pessoa com deficiência tenha acesso às cadeiras e escolha os trajetos que deseja percorrer, e não apenas aqueles determinados por rampas de acesso.”

Atualmente, há mais de 1.500 cadeiras Julietti em circulação em todos os estados brasileiros, além dos Estados Unidos e Portugal. O Instituto também mantém um representante no Japão. “Os equipamentos estão em lugares como o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, Parque Nacional Serra da Capivara, Parque Nacional da Tijuca, nas cidades de Niterói, Búzios, Petrópolis e Teresópolis, entre outras. Todas as chapadas estão equipadas: Chapada das Mesas, Chapada dos Guimarães, Chapada dos Veadeiros e Chapada Diamantina, que são destinos turísticos que recebem muitas famílias que buscam passeios acessíveis.”

No Rio de Janeiro, uma lei sancionada em 2022 determinou que trilhas e parques municipais devem disponibilizar a cadeira Julietti, tornando o estado pioneiro e, até o momento, o único a atender a obrigatoriedade.

A importância do voluntariado

A cadeira Julietti representou uma virada de chave no acesso de pessoas com deficiência a ambientes naturais, mas Guilherme ressalta o papel fundamental do voluntariado para que a mobilidade esteja cada vez mais presente em suas vidas.

“Hoje, existem diversos grupos que trabalham em prol dessa causa. Em 2015, quase ninguém falava sobre acessibilidade na montanha, e espero que esse trabalho continue de forma consistente, promovendo passeios semanalmente, a cada quinze dias ou, pelo menos, uma vez por mês. O objetivo é que as pessoas não precisem gastar com a cadeira, podendo utilizá-la gratuitamente nos parques.”

Como grupos de voluntários mantêm viva a missão da cadeira Julietti

O Voluntários da Montanha é um projeto de inclusão social criado em 2018 que conta com mais de 50 voluntários. O objetivo é proporcionar a oportunidade para que as pessoas com necessidades especiais e dificuldades de locomoção possam realizar trilhas em locais de difícil acesso, e chegar ao cume de montanhas. Sediado em Joinville, o grupo propaga a missão do Montanha para Todos, sendo um dos mais ativos e servindo de modelo para outras iniciativas.

Em 2018, Alan Jacob, idealizador do movimento, realizou, junto com o Grupo de Resgate de Montanha, o sonho de Sara, uma PCD de 13 anos, de conhecer a montanha Castelos do Bugres, em Joinville, após ver uma foto da mãe fazendo rapel no local. “Ainda não tínhamos a cadeira, mas mobilizamos um grupo e conseguimos levá-la em uma mochila especial, já que ela pesava cerca de 20 quilos. Fizemos uma atividade lúdica chamada Castelo da Sara. Além do cume, proporcionamos para ela a possibilidade de fazer o próprio rapel.”

Poucos meses depois, Alan conheceu o Montanha para Todos e soube de uma campanha nacional de arrecadação de verba para a compra de uma cadeira Julietti realizada em parceria com a WMAI Brasil (Wilderness Medical Associates International), a CamelBak Brasil e o Gear Tips. “A cadeira estava sem destino, e conseguimos trazer para Joinville. Criamos, então, o grupo Voluntários da Montanha.”

Voluntário nda Montanha - Montanha para Todos

Atualmente, o projeto realiza atividades semanais no Mirante de Joinville e até dois passeios por mês em trilhas e montanhas. Entre os destinos, está a trilha da Galheta, na região da Armação, e outras trilhas de praia e montanhas.

“Se vamos tentar, nós vamos conseguir!”

Em 2023, o Voluntários da Montanha recebeu o desafio de realizar o sonho de 12 anos de Filipe Ferreira de retornar ao Pico da Pedra, localizado em Camboriú. Ao estudar o destino, Alan viu que a missão era difícil, mas possível, caso o grupo de voluntários estivesse disposto. E todos aceitaram na hora!

“A trilha é íngreme, com trechos de escalaminhada em rochas. Formamos uma equipe de 40 integrantes e levamos todo o equipamento de resgate vertical do Grupo de Resgate de Montanha. Também contamos com a presença de profissionais experientes que reforçaram a segurança durante a experiência. A partir deste desafio, reconhecemos o potencial que o grupo tem de levar pessoas para locais mais difíceis”, conta Alan.

Cadeira Julietti - Montanha para Todos - Pico da Pedra

Além do trabalho com seu próprio corpo de voluntários, o projeto coordena atividades com outros grupos que também possuem a cadeira Julietti. Em 2025, o Voluntários da Montanha se uniu ao Inclusão & Aventura, de Curitiba, e a um grupo de Balneário Camboriú para proporcionar uma atividade com três cadeiras. “Percorremos 7 km. Em alguns trechos, havia árvores caídas, mas fomos encarando as dificuldades porque os voluntários acreditavam na missão”, conta Ramiro Baggenstoss, um dos primeiros voluntários que ajuda na coordenação do projeto.

Experiências que transformam vidas

Alan conta que logo no início do movimento percebeu que as atividades do Voluntários da Montanha estavam salvando a vida de muitos PCDs. “Quando eles descobrem a cadeira e um grupo de voluntários, se sentem iguais a gente. Se eles chegaram ao topo de uma montanha com a ajuda de alguém e de um equipamento, eles podem fazer qualquer coisa.”

Ramiro relembra a história emocionante de um menino de 13 anos, totalmente dependente de cuidados. “Depois da segunda atividade, uma das profissionais que o acompanha nos revelou que ele passou a demonstrar mais interesse pelas atividades do dia a dia. Hoje, ele já consegue caminhar com apoio e até balbuciar algumas palavras.”

A psicóloga Andrea Lorena da Costa Stravogiannis afirma que o ambiente natural reduz a ansiedade, aumenta a motivação intrínseca e promove comportamentos pró-sociais. “As atividades na natureza podem ser utilizadas como complementares aos tratamentos de fonoaudiologia e psicoterapia. Além disso, promovem maior contato familiar, uma vez que todos os familiares podem participar das atividades.”

Mas os benefícios de projetos como o Voluntários da Montanha não são exclusivos das pessoas com deficiência. “Percebi que muitos voluntários que começaram a procurar o grupo também enfrentavam desafios pessoais. Alguns estavam se recuperando de doenças graves, como o câncer, e encontraram na ajuda ao próximo uma fonte de esperança e renovação”, conta Alan.

O montanhista que inspira os PCDs e suas famílias

Robson Lopes Roque é montanhista e sempre teve o desejo de ajudar colegas a participar de atividades na natureza. Ao conhecer o Movimento para Todos, ele decidiu trilhar um novo caminho: o projeto Inclusão & Aventura, fundado em 2020 em Curitiba. Desde então, o projeto já proporcionou experiências para mais de 40 pessoas, incluindo trilhas com a cadeira Julietti e mochilas especiais, além de outras atividades.

Recentemente, o Inclusão & Aventura realizou uma trilha com cachoeira no Vale dos Canivetes, com dois participantes com deficiência, o Arthur e o Murilo, um menino de 6 anos que, além de ser cadeirante, é autista. “Sempre perguntamos o que eles gostariam de fazer. Dessa vez, eles nos surpreenderam com o desejo de ver um trem. Então, tivemos a ideia de combinar o trilho do trem com a trilha da cachoeira”, conta Robson.

Ele se emociona ao recordar a experiência de Murilo. “A expressão dele mudou completamente durante a trilha. Ele começou sério, mas no final estava sorrindo, se comunicando e falando sobre o trem e a água. Imagino o impacto desse momento a longo prazo. As crianças vivem uma rotina de terapias, acompanhamentos médicos e escola. Mas quando elas têm tempo para brincar? Quando vivenciam as experiências típicas de uma criança? Elas vão guardar esse momento para o resto da vida.”

Essa foi a segunda vez que Murilo, acompanhado de seu pai, Marcelo Gonzaga, e sua mãe, participou das atividades promovidas pelo Inclusão & Aventura. A família de Pernambuco se mudou para Curitiba em busca de tratamento para os diagnósticos de mielomeningocele e hidrocefalia. Embora Murilo consiga movimentar as pernas, ele tem dificuldade para ficar em pé sozinho.

“A vontade dele de estar na natureza, fazer trilhas, ter contato com a água e com a terra sempre foi grande. Quando descobrimos o Inclusão & Aventura, fizemos uma caminhada de 12 km com a cadeira Julietti em Mandirituba, no Paraná. Nesta última experiência, no Vale dos Canivetes, ele foi nas minhas costas, em uma mochila”, conta Marcelo.

Murilo com seu pai

O pai se surpreende com a evolução de Murilo a cada trilha. “Saber que ele pode nadar, tomar banho de cachoeira e estar na montanha sem medo ajuda muito no desenvolvimento dele. No Vale dos Canivetes, ele ficou em pé dentro da água com a mãe. A tendência é continuarmos a explorar outras trilhas.”

Marcelo também faz parte do grupo de 25 voluntários do Inclusão & Aventura. “São experiências únicas que levarei para a vida toda. São oportunidades para o Murilo e para as outras crianças verem que, assim como as outras pessoas, elas também conseguem.”

Esse é o espírito com que Robson conduz o Inclusão & Aventura. “Somos um grupo de amigos, uma família. Todos queremos fazer algo juntos, independentemente de quem pode andar ou não. Nós ficamos felizes e eles também. Com isso, tornamos o mundo um pouquinho melhor.”

Além de trilhas na região de Curitiba, o Inclusão & Aventura já esteve em locais ainda mais desafiadores para o acesso de PCDs, como as trilhas do Morro Camapuã e do Morro do Getúlio. “A do Camapuã é considerada de média dificuldade, tem muita raiz, pedra e uma rampa que jamais seria acessível sem a ajuda do grupo. Já a trilha do Morro do Getúlio, primeira montanha da trilha que leva ao Pico Paraná, no Parque Estadual Pico Paraná, é um percurso difícil de subir, mas fomos com uma equipe grande. Fizemos uma fila de voluntários e passamos a cadeira de mão em mão. Foi uma experiência emocionante porque superamos um grande desafio.”

Cadeira para acessibilidade em trilha

Experiências inclusivas revivem memórias e realizam sonhos

A ONG Montanha em Movimento, idealizada pelo biólogo e montanhista Thiago Montenegro, foi a responsável pela realização do desejo de Bruno Dutra de retornar ao Costão do Itacoatiara.

“Quando o Thiago me chamou, imaginei que subiria a trilha com meia dúzia de pessoas. Chegando lá, havia cerca de 100 voluntários! Me senti seguro com o movimento e com a estrutura. Foi uma oportunidade de estar com meus filhos lá, algo que, dentro da normalidade, não aconteceria.”

Cadeira para trilha acessível

A vontade de fundar o Montanha em Movimento nasceu de uma experiência pessoal de Thiago e Patricia Mira, cofundadora e vice-presidente da ONG. “O Thiago tinha um sentimento arraigado de injustiça e egoísmo em relação à inserção de pessoas com deficiência na natureza. Um dia, levamos um amigo com mobilidade restrita para uma trilha simples. Ao notar que ele caía durante o percurso, o Thiago o colocou nas costas. Foi uma experiência ótima para ele e para nós.”

A partir dali, a dupla deu os primeiros passos para contribuir com a acessibilidade em atividades na natureza na região de Niterói, no Rio de Janeiro. Por meio de suas pesquisas e desejo de realização, Thiago descobriu a cadeira Julietti e um movimento de São Paulo que já realizava atividades acessíveis. Juntos, levaram um PCD para o cume da Pedra da Gávea.

Em 2021, nasceu o Montanha em Movimento, para melhorar a qualidade de vida dos PCDs. A primeira experiência foi justamente com o Bruno, durante uma trilha com cachoeira. “Nesse dia, foram mais de 40 voluntários. Foi uma energia maravilhosa. Não paramos mais”, conta Patricia.
A ONG já impactou 80 PCDs, com atividades na Floresta da Tijuca, Alto Mourão, Pedra do Elefante, Travessia Tupinambá, Parque da Cidade e cachoeiras em municípios próximos. “Tivemos até um pedido de casamento na Travessia Tupinambá! Proporcionamos também uma experiência de alvorada, uma trilha de madrugada para avistar o nascer do sol do alto de uma montanha. Além disso, organizamos rapel, rafting e canoagem.”

Trilha acessível em Niterói

O Montanha em Movimento também mantém uma parceria com o Ecoarte, projeto ecológico que faz trilha interpretativa com apoio de biólogos, e visitação ao parque estadual da região.

Programa para deficientes visuais proporciona experiências integrativas

Promover a troca de experiências entre crianças com e sem deficiência visual em práticas esportivas gratuitas na natureza é o principal objetivo do Natureza de Criança Inclusivo, idealizado por Isabela Abreu. Voltado para crianças e jovens de 6 a 16 anos, o programa já impactou mais de 400 famílias e tem a canoagem como principal atrativo.

Durante um dia de atividades ao ar livre em uma reserva na Mata Atlântica, elas aprendem a remar, tomam banho de rio, fazem trilha na floresta, participam de contação de histórias e outras atividades lúdicas na natureza. O programa tem a chancela do Ministério da Cidadania e o apoio da Lei de Incentivo ao Esporte.

Inclusão na canoagem - Natureza de Criança Inclusivo

O desejo de Isabela de se envolver com iniciativas voltadas à inclusão começou em meados de 2005 com a idealização de um projeto voltado para cadeirantes, mas depois de uma conversa com sua tia, a história mudou de rumo. “Compartilhei a ideia com ela, que era professora voluntária de inglês em uma instituição voltada a pessoas cegas, e ela sugeriu fazermos com a sua turma de alunos. Inicialmente, fiquei surpresa, já que eles não poderiam enxergar a beleza da natureza. Foi aí que tive a minha primeira aula de inclusão. Ela me contou sobre o universo da cegueira, sobre a apuração dos outros sentidos, e me convenceu.”

Ali nascia o primeiro projeto-piloto em sua casa de praia na Riviera de São Lourenço, em São Paulo, com 15 amigos voluntários que acompanharam 15 adultos cegos. A experiência foi o ponto de partida para o nascimento do Grupo Terra que, dois anos depois, se tornou uma ONG – Instituto Terra, que chegou a realizar eventos para 300 pessoas, sendo 150 cegas e 150 que enxergam.

Foi lá que Isabela conheceu seu ex-marido, deficiente visual, casou-se com ele e engravidou em seguida. “Depois de seis anos presidindo a ONG, resolvi sair, mas tinha em mente que queria desenvolver um projeto que envolvesse crianças com e sem deficiência visual. Queria que outras crianças, assim como a minha filha, convivessem com deficientes visuais. Dessa forma, elas também teriam a oportunidade de quebrar preconceitos e barreiras.”

Desde 2022, o Natureza de Criança Inclusivo, além de gerar impacto nas crianças e jovens, também oferece uma oportunidade para as famílias. “Impactamos tanto as famílias de crianças cegas, que terão acesso ao esporte pela primeira vez, quanto as crianças sem deficiência, que ao entrar em contato com a cegueira nesse ambiente, passam a entender que a criança com deficiência existe. Além de contribuir com os benefícios da natureza para a infância das crianças cegas, envolvemos a sociedade em um processo de inclusão”, conta Isabela, que também promove cursos para educadores.

O grande aprendizado vivenciado por ela e por sua equipe no Natureza de Criança Inclusivo é olhar para as possibilidades, ao invés de olhar para as dificuldades, trazendo mais oportunidades para crianças que têm menos condições.

“O acesso à natureza é mais restrito para a criança com deficiência porque está mais distante dos lugares onde ela mora, além de muitas vezes estar vinculado a atividades pagas. Há também a falta de conhecimento sobre os benefícios das atividades ao ar livre por parte dos familiares, que têm outras prioridades relacionadas ao desenvolvimento cognitivo e motor, como a fonoaudiologia e outras atividades diárias. Acaba sobrando menos tempo para as crianças com deficiência vivenciarem atividades na natureza.”

Deficientes intelectuais são preparados para a inclusão no mercado de trabalho

O Programa Borboleta Azul, uma parceria entre a Outward Bound Brasil (OBB) e o Instituto Jô Clemente (antiga APAE SP), existe desde 2010 e gera impacto positivo na vida de jovens e adultos com deficiência intelectual. O projeto já atendeu 214 jovens e adultos, com 20 expedições na natureza.

Por meio do desenvolvimento da inteligência socioemocional, o objetivo é despertar seus potenciais e prepará-los para a inclusão no mercado de trabalho. O programa busca quebrar barreiras percebidas e fortalecer habilidades como autoestima, autoconfiança, autonomia e comunicação.
Ao longo de quatro dias em uma área remota na região de Campos do Jordão, os participantes enfrentam desafios físicos e emocionais em trilhas, promovendo o crescimento individual e coletivo. “Eles participam do planejamento, caminhadas, montagem e desmontagem de acampamento, manutenção e manejo da cozinha, e lidam com questões sanitárias e higiênicas. É rápido ver a capacidade de adaptação e de aprendizado. Eles desenvolvem a autonomia e autoliderança, entre outras habilidades”, conta Humberto Medaglia, instrutor da OBB.

Durante a expedição, são montados grupos de trabalho, onde cada um é responsável pelo acampamento, pela comida e pela segurança. Junto com a responsabilidade, vem a interação social e a necessidade de agir em momentos de liderança, tomadas de decisão e negociações – desafios que enfrentarão no mercado de trabalho.

Para muitos participantes, é a primeira experiência longe do núcleo familiar, proporcionando uma vivência única de superação de medos e descoberta de habilidades. “Tiramos esses atores do seu lugar-comum, levando para a natureza. Eles saem da superproteção materna e paterna durante a expedição.”

Humberto conta que atividades como o autocuidado com a hidratação, procedimentos de higiene pessoal e dos equipamentos de banheiro, assim como a cozinha coletiva, trazem uma nova realidade para eles, que têm de pensar em cuidar de si, do outro e do mundo à sua volta. “No mercado de trabalho, ora eles serão liderança, ora serão liderados, e todos terão que lidar com a frustração, aprender a negociar e a fazer algo que nunca fizeram, além de lidar com o preconceito.”

Programa Borboleta Azul - Outward Bound Brasil

Para a neuropsicóloga Andrea Lorena, projetos como esse são muito importantes para o desenvolvimento das funções executivas, como planejamento e memória de trabalho. “Eles também promovem senso de autoeficácia e desenvolvimento da autoestima.”

Ao proporcionar uma experiência que vai além das expectativas convencionais, o Borboleta Azul contribui para a construção de uma sociedade mais inclusiva e compassiva. Os participantes saem do programa com uma confiança renovada em suas habilidades, maior autonomia para encarar os desafios cotidianos e um senso duradouro de conquista. Prontos, portanto, para voar!

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Isabelle de Paula

Isabelle de Paula é jornalista, sócia-fundadora da DePaula Comunicação. Apaixonada por ouvir e contar histórias, atua como ghostwriter, escrevendo livros e conteúdos para diversas plataformas, e assessora de imprensa, propagando narrativas e trajetórias de pessoas, marcas e empresas. Parceira do Gear Tips, assina projetos especiais e ajuda a empresa a ganhar visibilidade na mídia.

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