Quando falamos sobre ética em ambientes naturais, muitas vezes nos deparamos com o desafio de comunicar boas práticas sem parecermos autoritários. Como orientar alguém sem simplesmente “dar uma bronca”? Como incentivar o respeito à natureza de forma empática e eficaz?
Uma das ferramentas mais valiosas para isso é a Autoridade do Recurso (Authority of the Resource), uma abordagem desenvolvida para educadores, guias e profissionais que atuam com atividades ao ar livre.
O que é a Autoridade do Recurso?
A Autoridade do Recurso é uma técnica de comunicação criada por George Wallace, educador da Outward Bound, e amplamente difundida pelo Leave No Trace Center for Outdoor Ethics. A proposta é simples e poderosa: em vez de recorrer à imposição de regras ou ameaças de punição, a comunicação se baseia nos recursos naturais que queremos proteger.
Ou seja, é o ambiente em si – as trilhas, os animais, os rios, os ecossistemas – que “fala”. O papel do educador é traduzir os impactos de uma ação e ajudar o visitante a entender por que certas práticas são inadequadas, gerando empatia e reflexão.
Em vez de dizer “é proibido fazer isso”, dizemos: “isso prejudica o local por essa razão”.
Imagem ilustrativa gerada por inteligência artificial
Moaci Judson, coordenador do Programa CAPACITAR, do Gear Tips, e instrutor do curso Leave No Trace, explica que a técnica concede um caminho para que profissionais de atividades outdoor intervenham em uma situação de forma adequada, cessando uma ação de modo acessível e efetivo. “Quando você aborda uma pessoa de forma impositiva, é provável que ela não te ouça e não te respeite. Quando usamos essa técnica, quem diz o que é permitido ou não é o próprio recurso natural – não é o guarda-parque, e sim a planta, o bicho, a natureza. Portanto, é uma técnica que se aplica em qualquer lugar, não precisa de regulamentação para você interferir.”
Por que usar a Autoridade do Recurso?
- Reduz a resistência: uma abordagem empática e fundamentada evita confrontos e posturas defensivas.
- Promove compreensão real: quando o visitante entende o impacto de sua ação, a mudança de comportamento tende a ser mais duradoura.
- Incentiva o protagonismo ético: ao compreender o “porquê” por trás de uma prática, a pessoa passa a se autorregular.
Thais Moreno, psicóloga e instrutora do curso Leave No Trace, do Gear Tips, reforça que a ferramenta é importante porque nem sempre é fácil comunicarmos para os outros, de forma construtiva, as informações e os valores que temos estabelecidos. “Normalmente, não somos criados com esses recursos de comunicação. Uma abordagem assertiva requer certa consciência de si e empatia com o outro, o que, às vezes, não nos é ensinado.”
Os 4 perfis mais comuns de impacto, segundo Wallace:
Segundo a pesquisa de Wallace, a maior parte das pessoas que causa impactos negativos o faz porque está:
- Desinformada
- Inexperiente
- Desatenta
- Sem intenção de causar dano
Portanto, o impacto ocorre não por má-fé, mas por falta de conhecimento, prática ou atenção. É justamente por isso que a educação baseada no recurso – e não na punição – é tão eficaz. A maioria das pessoas tem a intenção de fazer a coisa certa, se souber como e entender o motivo.
Segundo Thais, a Autoridade do Recurso começa a abrir caminhos para que as pessoas reflitam sobre práticas adotadas há muito tempo, que herdaram de outros lugares. Com essa abordagem, que visa a compreensão e não o confronto, a pessoa se sente acolhida no lugar onde ela está.
“A pessoa que tem o hábito de marcar as iniciais das namoradas em uma árvore, por exemplo, geralmente faz isso porque tem uma importância simbólica para ela. Portanto, se você chegar no confronto, a única coisa que você vai receber de volta é o próprio confronto. Agora, se você chegar com uma abordagem de compreensão, se colocando no lugar dela ou até no lugar de quem já fez a mesma coisa, a pessoa recebe melhor a informação.”
Passos da técnica da Autoridade do Recurso
- Inicie com uma conversa informal: Estabeleça uma conexão amigável. Exemplo: “Que dia lindo, não é? É sua primeira vez aqui no parque?”
- Descreva objetivamente o comportamento observado: “Notei que um quati pegou um pedaço de sanduíche que estava no chão.”
- Explique as consequências desse comportamento: “Quando os quatis se acostumam com comida humana, eles podem se tornar agressivos e perder a habilidade de buscar alimento naturalmente. Isso pode ser prejudicial para eles e perigoso para os visitantes.”
Ofereça uma alternativa ou comportamento desejado: “Para ajudar a manter os quatis saudáveis e seguros, é importante não alimentá-los e garantir que restos de comida sejam devidamente descartados.”
Imagem ilustrativa gerada por inteligência artificial
Exemplo prático:
Imagine que você está em uma unidade de conservação e vê alguém alimentando animais silvestres, como quatis ou macacos-prego. Você poderia dizer:
Abordagem tradicional (autoridade pessoal): “Você não pode alimentar os animais. Isso é contra as regras.”
Abordagem pela Autoridade do Recurso: “Você sabia que quando alimentamos animais silvestres, isso pode alterar o comportamento deles e deixá-los dependentes dos humanos? Muitos passam a se aproximar dos visitantes em busca de comida, o que pode ser perigoso tanto para eles quanto para as pessoas. A melhor forma de ajudar é manter a natureza selvagem.”
Perceba como o segundo exemplo evita confronto, educa e conecta a pessoa com a causa.
Outros exemplos:
A abordagem pode ser utilizada em muitas situações: ao sugerir onde montar barracas, ao falar sobre coleta de lenha, sobre o uso de trilhas, descarte de resíduos, entre outros. Por exemplo:
Imagem ilustrativa gerada por inteligência artificial
Onde isso é ensinado?
Essa abordagem é uma das ferramentas que ensinamos no Curso Leave No Trace – Instrutor Nível 1, oferecido dentro do Programa CAPACITAR, uma iniciativa do Gear Tips que visa formar profissionais capacitados em ética e sustentabilidade para o mercado outdoor.
Durante o curso, os participantes vivenciam situações práticas e aprendem a:
- Abordar visitantes de forma construtiva e educativa.
- Identificar impactos ambientais e propor alternativas.
- Ministrar palestras e workshops baseados nos 7 Princípios Leave No Trace.
Ao final do curso, o participante se torna um Instrutor Nível 1 Leave No Trace, com capacidade de multiplicar esses ensinamentos em sua comunidade ou atuação profissional.
“A técnica é muito bem recebida no curso porque um dos questionamentos dos participantes é justamente como abordar as pessoas que estão fazendo coisas erradas. Mostramos que não precisamos chegar de forma agressiva”, explica Moaci.
Por que isso importa?
Porque transformar atitudes começa pela forma como nos comunicamos. Ao adotar a Autoridade do Recurso, criamos pontes entre pessoas e natureza. Trocamos a imposição pela empatia. A regra pela razão. O conflito pela conexão.
Em tempos de crescente pressão sobre os ambientes naturais, precisamos mais do que nunca de uma abordagem ética, respeitosa e eficaz para educar e inspirar.
Referências
- WALLACE, George N. Law enforcement and the “Authority of the Resource”. Legacy, v. 1, n. 2, p. 4–9, 1990.
- WALLACE, George N.; GAUDRY, C. James. An evaluation of the “Authority of the Resource” interpretive technique by rangers in eight wilderness/backcountry areas. Journal of Interpretation Research, v. 7, n. 1, p. 43–68, 2002.
Este post também está disponível em: English (Inglês) Español (Espanhol)
Os comentários deste post estão no nosso Fórum. Para participar dessa discussão você precisa estar logado com sua conta de membro do Gear Tips Club ou criar uma conta gratuita do fórum. Somente assinantes do Gear Tips Club com Planos Light, Basic ou Premium podem abrir novos tópicos no fórum. As contas gratuitas podem comentar em tópicos existentes. Para criar sua conta gratuita, clique aqui. Para saber mais sobre ser membro do Gear Tips Club, clique aqui.
Faça Login Criar Conta Gratuita