Cume do Aconcágua – Uma experiência para toda vida

Cume do Aconcágua 15h20min, 30 dezembro de 2003, 6.962 metros

A visão era espetacular! Ao lado da cruz que simboliza o topo da montanha, eu conseguia ver todas as montanhas gigantes do Chile e da Argentina, da parte mais alta da Cordilheira dos Andes. Tinha fantasiado este momento em minha mente durante meses, e depois de mais de um ano de planejamento e treinamento duro, finalmente tínhamos conseguido. Mas o cansaço era tanto que não tínhamos condições para muitas comemorações.

Cume do Aconcágua - Amauri Coutinho

Eu não dormia há mais de dois dias. Estava no fim das minhas energias, depois de 11 horas de subida extenuante, temperaturas abaixo de 15° C negativos e muito vento. Tínhamos que pensar na descida até nossa barraca no acampamento base avançado, chamado Berlim, a 5.920 metros de altitude. Devido ao nosso estado físico, levaríamos pelo menos 6 horas para estarmos abrigados e dentro dos sacos de dormir.

Eu, Marcio Sartori, ambos brasileiros, e Kevin Barnett, inglês, éramos os únicos que tínhamos conseguido chegar até o final, junto com o nosso guia, Nicolas Plantamura, renomado montanhista argentino. Os outros 7 integrantes foram desistindo pelo caminho, uns pelo frio, outros pela exaustão ou a junção de ambos e também devido a mais uma série de outros fatores.

Grupo do Aconcágua - Amauri Coutinho

Nossa descida foi feita, em boa parte, no escuro. Mas, como havia lua cheia, o reflexo da luz da lua na neve facilitava a nossa visão da trilha. Descemos cambaleando os 1.000 metros verticais que separavam o cume da nossa barraca. Chegamos ao acampamento beirando a meia-noite, em petição de miséria. O processo de tirar os crampons e as botas para entrar na barraca foi hercúleo. Depois que fechei a barraca, entrei no saco de dormir, e meu corpo começou a voltar para a temperatura normal, a sensação foi de que estava ressuscitando. Dormi feito uma pedra por 10 horas.

Amauri Coutinho - escalada Aconcágua

Escalar alta montanha tem uma série de dificuldades que, para nós que vivemos próximos ao nível do mar, fica difícil de entender.


Vivemos numa altitude onde o oxigênio, sob pressão, entra em nossos pulmões sem o menor esforço. Perto dos 7.000 metros, a situação é bem diferente. E, para adaptar nosso organismo a essa altitude, existe uma técnica, a que damos o nome de aclimatação.

A partir dos 2.500 metros de altitude, o organismo é estimulado a desenvolver mecanismos que compensem a escassez de oxigênio: o coração começa a bater mais rápido, para enviar mais sangue aos tecidos e respiramos com maior frequência, para absorver mais oxigênio, por meio dos pulmões.

O transporte do oxigênio no sangue é feito pelos glóbulos vermelhos, e, para que a quantidade de oxigênio transportado aumente, a medula, estimulada por um processo químico, aumenta a produção desses glóbulos. Com o aumento de glóbulos, o sangue fica mais denso e espesso, o escoamento do sangue mais volumoso pelas artérias e veias não adaptadas fica mais difícil, e isso faz com que o coração tenha que trabalhar com mais intensidade.

Escalada Aconcágua

Todo este processo é lento, leva alguns dias, e varia de acordo com o metabolismo de cada um. Durante essa fase, falta de ar, dor de cabeça, cansaço e náuseas são comuns, até o momento em que sejam produzidos glóbulos vermelhos em número suficiente para o organismo se adaptar à nova situação de ar rarefeito.

Algumas pessoas são geneticamente predispostas a essa mudança de altitude com mais facilidade. Conheci alguns maratonistas, triatletas, ciclistas e gente aerobicamente muito forte que não conseguiram ultrapassar o acampamento base, Plaza de Mulas, a 4.200 metros de altitude. E também vi algumas figuras, que aparentemente tinham metade ou menos condicionamento do que muitos ditos atletas, conseguirem chegar ao cume. Lógico que fizeram isso com muito sofrimento, mas a adaptação a grandes altitudes não foi um impeditivo para eles.

Aconcágua - Amauri Coutinho

Por experiência própria, tenho a sensação de que, quando passamos por essa provação do ar rarefeito, nosso organismo desenvolve uma memória de resposta, facilitando o processo de aclimatação.

Para quem está com vontade de passar por essa experiência, aconselho que treinem forte por pelo menos um ano, fazendo musculação para as pernas, muito exercício aeróbico e realizar caminhadas com desnível superior a 1.000 metros(região da Serra Fina é perfeita para isso) pelo menos uma vez por mês.

Além disso, é fundamental manter uma alimentação o mais regrada possível, procurar um nutricionista e um preparador físico esportivo que entendam de realização de esforço quase sempre no limite e enfrentando baixa pressão atmosférica, ar rarefeito e frio extremo.
Também é preciso evitar o consumo de álcool e tudo o que possa debilitar o organismo (baladas, poucas horas de sono, cigarro, alimentos ultra processados etc.).

Aconcágua

Usar equipamentos de ponta, com a máxima qualidade e o menor volume e o menor peso possíveis e realizar os treinos usando com todos esses itens para extrair o máximo da eficiência que eles possam proporcionar. Ou seja, se você quiser atingir o topo da montanha mais alta das Américas, a determinação tem de ser proporcional ao tamanho do Big A (Aconcágua).

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Amauri Coutinho

Campeão e sul americano dos 100, 200 e 4x100 metros rasos, pós graduado em Educação Física, do exército foi para o mundo: Aconcágua na Argentina, Elbrus na Rússia, Mont Blanc na França, Suíça e Itália, Patagônia chilena e argentina, Pirineus, Alpes, Dolomitas, Croácia, Eslovênia e Eslováquia, Nova Zelândia, Canadá e inúmeras trilhas na América do Sul e Europa, fazem parte do seu currículo e experiência de vida na montanha. É fundador da Latitude 51, especializada em aventuras outdoors internacionais.

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