Ao planejar uma atividade ao ar livre, como trekking e hiking, é comum se preocupar com a rota, os equipamentos, a alimentação, o clima e a segurança. Mas, para nós, mulheres, há ainda um fator extra a considerar: e se a menstruação descer? Como me manter confortável e segura sem prejudicar o meio ambiente com resíduos?
A menstruação afeta cada mulher de forma diferente. Enquanto algumas sofrem com dores, outras enfrentam o período com naturalidade, gerenciando apenas o fluxo, que pode ser mais leve ou intenso. “Algumas mulheres podem sentir dores nas pernas e na lombar, ficarem mais fracas, ter alterações de humor, e isso tudo pode acontecer durante a expedição”, explica Fernanda May, médica do esporte e montanhista.
Esse é o caso de Bia Carvalho, que costuma tomar medicamentos para controlar o desconforto causado pela menstruação. “Prefiro agendar atividades para períodos em que não estou menstruada, mas, se já tiver algo programado, tomo remédio para aliviar as cólicas.”
Bloquear ou não a menstruação?
Devido a desconfortos como os sentidos por Bia, muitas mulheres optam por interromper a menstruação. Esse foi o caso de Fernanda May, que fez isso por 20 anos. “Meu fluxo menstrual era muito intenso, e eu tinha muita cólica e TPM. Para mim, a menstruação era um sofrimento. Tomei a pílula contínua e só parei para engravidar. Além disso, não queria depender de datas para marcar meus desafios.”
Segundo a médica, essa prática é adotada por muitas atletas de alta performance, já que os incômodos podem comprometer meses de preparação física e financeira para provas e expedições.
Outra estratégia comum é a interrupção momentânea da menstruação, emendando uma cartela da pílula com outra, apenas no mês da expedição. “A mulher precisa conhecer seu ciclo para decidir interromper a menstruação. A escolha deve ser feita com orientação de um ginecologista”, explica Fernanda.
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Você sabia que o Gear Tips Club é a maior comunidade de praticantes de atividades ao ar livre do Brasil, com descontos e conteúdos exclusivos? Clique aqui e conheça nossos planos.Ela também alerta para os riscos de experimentar um método hormonal novo no mês da expedição, especialmente em alta montanha. “Iniciar uma pílula nova ou qualquer outro anticoncepcional pode aumentar o risco de trombose. O ideal é continuar com o que já está acostumada. Se for emendar cartelas, comece de 4 a 6 meses antes, no início da preparação para a expedição, e conforme orientação do seu médico.”
Absorvente interno, externo, coletores ou calcinhas menstruais?
A escolha do produto menstrual é bastante pessoal, mas dois aspectos devem ser considerados ao planejar uma expedição: as opções de higiene disponíveis no local e o impacto ambiental dos resíduos gerados.
Independentemente da escolha, a higiene pessoal deve ser redobrada durante o período menstrual em atividades na natureza. Lavar bem as mãos antes e depois de lidar com qualquer produto menstrual ajuda a evitar contaminações.
“Em expedições de alta montanha ou trilhas longas, as mulheres devem ter um cuidado especial com a higiene, já que passamos dias sem tomar banho, com as mãos sujas de terra. Por mais que tentemos limpar, nem sempre conseguimos manter a higiene ideal na hora de trocar o absorvente ou o coletor. Isso aumenta o risco de infecção urinária e vaginite”, explica Fernanda May.
Foto: Danielle Hepner
Além do cuidado com a saúde, também cabe a nós preservar os ecossistemas. Produtos descartáveis ou com embalagens, como absorventes internos, aplicadores, absorventes externos, lenços umedecidos e papel higiênico, devem ser trazidos de volta. Um saco plástico vedado destinado exclusivamente ao lixo é uma boa solução para armazenar estes resíduos até o descarte adequado.
A seguir, apresentamos algumas opções de produtos menstruais, destacando sua conveniência para uso ao ar livre e recomendações para evitar impactos ambientais:
Absorventes externos
Apesar de os absorventes externos serem mais fáceis de usar, é fundamental ter consciência de que eles geram resíduos que devem ser levados de volta para não impactar o meio ambiente — o mesmo vale para os aplicadores dos absorventes internos.
“Dependendo do fluxo da mulher, ela precisará trocar o absorvente externo de cinco a seis vezes por dia, o que gera mais lixo. Isso pode ser um problema, pois ela terá que carregá-los na mochila até o descarte adequado, o que acarreta peso e mau cheiro”, explica Fernanda.
Danielle Hepner pratica atividades ao ar livre desde 2015 e já testou diversos tipos de produtos menstruais. Devido às fortes dores causadas pela endometriose e ao fluxo intenso, optou por absorventes externos descartáveis, que lhe oferecem mais conforto durante as expedições.
“Tentei me adaptar ao coletor por ser mais sustentável, mas sentia muita dor ao colocá-lo e retirá-lo, além de incômodo ao caminhar. As calcinhas menstruais também não funcionaram para mim, pois meu fluxo é intenso e isso me deixava apreensiva.”
Preocupada com a sustentabilidade, a montanhista utiliza absorventes orgânicos e compostáveis de marcas como amai e Libresse, que causam menos impacto ambiental em comparação aos tradicionais.
“Essa foi a forma que encontrei para me sentir mais segura e confortável em expedições, apesar do volume. Outro ponto é que, quando ficamos muito tempo na natureza, não conseguimos manter uma higiene ideal e ficamos mais sujeitas a infecções.”
Entre as trocas de absorventes, Danielle utiliza álcool em gel e lenços umedecidos, adotados apenas nos casos de menstruação para uma higiene mais efetiva. Para transportar de volta os absorventes usados, ela utiliza o saco estanque Trash dry sack Sea to Summit, que dificulta o vazamento de odor e é reutilizável.
Danielle Hepner
Absorventes internos
A médica Fernanda May faz ressalvas em relação ao uso de absorventes internos devido a questões de higiene. “Quando preparo minhas pacientes ou estou em uma expedição com mulheres, peço que evitem, se possível, o absorvente interno, pois sua manipulação exige a introdução dos dedos na vagina. Como as mãos costumam estar sujas durante a atividade, isso aumenta o risco de infecções.”
Bia Carvalho costuma usar o coletor menstrual em atividades curtas de um dia, mas em expedições maiores, opta por Absorventes internos com aplicadores biodegradáveis, que evitam o contato com os dedos sujos. “Se vou passar mais de um dia na montanha, em ambientes adversos e sem abundância de água para lavar o coletor, opto por absorventes internos com aplicadores de papelão ou similares. Durante a Pacific Crest Trail (PCT), passei muitos dias na natureza, e os absorventes internos foram minha escolha.”
Quando necessário, Bia usava lenços umedecidos produzidos da forma mais natural possível para a higiene íntima dentro da barraca. “Naquele momento, a barraca era só minha, e eu tinha esse cuidado. Também usava água em uma garrafa PET para me molhar após evacuar e fazer a higiene geral no fim do dia. Guardava os lenços usados para levá-los de volta para casa.” A solução adotada por ela para transportar os absorventes internos usados foi um saco Ziploc.
Bia Carvalho na Pacific Crest Trail
Lembre-se de que todos os produtos descartáveis devem ser embalados e levados para fora da área natural. Enterrar absorventes ou descartá-los em latrinas não é uma opção sustentável, pois eles não se decompõem e podem poluir o ambiente.
Coletor ou disco menstrual
Os coletores e discos menstruais são reutilizáveis e produzem menos lixo, sendo uma alternativa ecológica. Para Fernanda, essa opção também oferece mais segurança em relação à higiene, desde que as mulheres estejam atentas a manuseá-los com as mãos limpas para reduzir o risco de exposição a bactérias.
“Caso a mulher não tenha um fluxo muito intenso e já esteja habituada a usá-lo, o coletor é uma ótima opção. Ela pode inseri-lo pela manhã, no acampamento, com as mãos limpas, e retirá-lo apenas no fim do dia, ao chegar ao novo acampamento. Se houver recursos, é possível lavá-lo com água fervida. Em termos de geração de resíduos e facilidade de uso, o coletor é a melhor escolha, desde que consiga suportar o dia inteiro sem vazamentos.”
Coletor Menstrual. Foto: Danielle Hepner
Para minimizar o impacto ambiental, os coletores devem ser higienizados com água potável e sabão biodegradável a pelo menos 60 metros de distância (cerca de 70 passos largos) de trilhas, áreas de acampamento ou fontes de água. Além disso, é necessário cavar um buraco de 15 a 20 cm de profundidade, conforme orienta a Leave No Trace, ONG referência em mínimo impacto ambiental. “O ideal, ao esvaziar o coletor, é cavar um buraco, despejar o sangue dentro e enterrá-lo para evitar odores que possam atrair animais”, explica Fernanda.
Se estiver usando o coletor menstrual e se sentir confortável, ou caso seja exigido por regulamentações locais, leve o fluido menstrual de volta consigo em um recipiente vedado ou em uma bolsa própria para dejetos (WAG bag).
Absorventes de pano e calcinhas absorventes
Maria Clara Borsoi de Moraes, instrutora do curso Leave No Trace – que já liderou uma turma exclusiva para mulheres –, guia de montanha e educadora ambiental, não se adaptou ao coletor menstrual devido às cólicas. Ela utiliza absorventes de pano reutilizáveis e está considerando aderir às calcinhas menstruais.
“O meu ciclo não é tão intenso, então a solução é perfeita. Não me dá alergia nem atrito. Mas, se eu pudesse escolher o coletor, certamente o faria por conta do descarte. Você precisa encontrar soluções para se sentir o mais confortável possível, garantindo que o descarte seja feito corretamente para minimizar o impacto ambiental.”
Maria Clara não costuma lavar os absorventes de pano em locais com escassez de água, como nas travessias Marins x Itaguaré e Serra Fina. “Em alguns lugares, também não dá para fazer buraco de gato (cathole) para descartar o sangue. Portanto, prefiro guardar e higienizar em casa”, conta a guia, que armazena os absorventes usados em um pequeno saco estanque dedicado exclusivamente para isso.
Maria Clara com grupo de mulheres que participou do curso “Leave No Trace Intrutora Nível 1” exclusivo para o público feminino
Para Fernanda, as calcinhas menstruais também podem ser uma opção sem resíduos, mas precisam ser lavadas entre os usos.
“Se você tiver um refúgio para lavar as calcinhas absorventes durante a noite, elas se tornam ótimas opções, já que você passará o dia inteiro com elas. Existem modelos para fluxo baixo e alto. Em termos de impacto ambiental, é uma boa alternativa, pois você não gera resíduos. O que as mulheres devem estar atentas é ao local para lavar, já que lugares selvagens e de alta montanha não têm estrutura para isso. É importante não lavar em rios ou cachoeiras”, explica a médica e montanhista.
Assim como os coletores, as calcinhas devem ser lavadas a pelo menos 70 passos grandes (cerca de 60 metros) de trilhas, áreas de acampamento ou fontes de água, utilizando sabão biodegradável. Após a lavagem, disperse a água usada no solo. Lembre-se de levar produtos de reposição para usar enquanto as calcinhas secam.
IMPORTANTE: Para lavar qualquer produto que entre em contato direto com o corpo, utilize apenas água limpa e descontaminada. Não use água de fontes naturais sem antes filtrá-la ou fervê-la, pois patógenos presentes na água podem causar infecções.
E se a menstruação descer no meio do caminho?
Mesmo que sua menstruação seja regular e você planeje viajar fora do período, é sempre bom levar suprimentos como absorventes internos, externos, coletor menstrual ou discos menstruais. O estresse de estar em uma nova aventura, em um local diferente, assim como a atividade física intensa, podem alterar seu ciclo menstrual, e é sempre bom estar preparada.
Maria Clara vivenciou uma experiência como essa: “Eu estava na expedição do Cerro Plata, na Argentina, com um amigo, de forma autônoma, carregando muito peso. O meu ciclo é regular, mas era a minha primeira experiência em alta montanha. Passamos por um processo de aclimatação, descansamos, mas no dia do cume a minha menstruação desceu inesperadamente. Eu não estava me sentindo bem e não me preparei para isso em um ambiente novo, no frio e na altitude. Decidi descer. A gente tem que entender que estará diferente durante essa fase. Respeitar esse momento é importante.”
Se você estiver liderando ou guiando um grupo, tenha produtos menstruais e para alívio de dor disponíveis para todos, independentemente de menstruar ou não. Informe-se para poder oferecer apoio caso alguém não saiba como lidar com o período em ambientes ao ar livre ou tenha a primeira menstruação durante a viagem.
Em seu trabalho como guia de montanha, Maria Clara leva absorventes para as mulheres que guia, além de orientá-las para que se sintam mais seguras e confortáveis. Ela também incentivou os homens da agência onde trabalha a fazer o mesmo. “Todos devem ter um pacote de absorventes para atender as mulheres. Comecei a despertar essa consciência para que eles estejam preparados para atender ao público feminino.”
O que levar no seu kit de gerenciamento menstrual:
- Sacos herméticos, estanques ou Ziploc para armazenar itens usados;
- Lenços umedecidos sem perfume ou papel higiênico. Caso possível, substitua-os por um squeeze;
- Desinfetante para as mãos;
- Remédio para alívio da dor que você esteja acostumada a usar.
Além desses itens, Danielle Hepner utiliza um adesivo analgésico que alivia cólicas e desconfortos.
Outras dicas de higiene para as mulheres
Quem participou do curso Leave No Trace, do Programa Capacitar do Gear Tips, aprendeu a técnica de higienização feita com a ajuda de um squeeze, sem geração de resíduos, como papel higiênico e lenço umedecido. A garrafa com água deve ser usada para a higienização completa das partes íntimas.
Fernanda May alerta que a técnica é eficaz, mas destaca um ponto de atenção para as mulheres: “O esguicho de água deve ser feito de frente para trás, evitando que o resíduo de fezes vá para dentro da vagina, o que pode provocar possíveis infecções.”
Outra dica valiosa da médica, adotada por ela em suas expedições, é utilizar um paninho conhecido como pee cloth para se enxugar. “Ele tem fio de prata na composição, seca muito rápido, não deixa cheiro e não gera resíduo. Pode ficar pendurado na mochila ou guardado em um saquinho. Você pode usá-lo o dia inteiro.”
Por fim, a dica é se planejar e não deixar de praticar suas atividades ao ar livre por conta da menstruação, como explica a nossa parceira e especialista Laila Blanch no vídeo “Menstruação na montanha: deve-se praticar trekking durante este período?”:
Recomendamos também a leitura da publicação A Period Guide for the Outdoors, da Leave No Trace.
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