Via Maria Nebulosa – 20 anos depois

Algumas vias dão mais trabalho que outras… Para mim um exemplo foi o Dedo de Deus, que tentei escalar pela primeira vez em 1996 e só cheguei no cume em 2002. Foram cerca de seis investidas até finalmente dar tudo certo. Aconteceu de tudo: chuva na base, raio, parceiro que passou mal e até um desmoronamento monstruoso que destruiu a antiga trilha e que só descobri chegando lá. Enfim, uma hora da certo e desde 2002 já foram alguns cumes no Dedo.

Com a Maria Nebulosa, via gigante na linda Maria Comprida, passei por isso também, só deu certo na quarta tentativa.

Maria Comprida - Foto: Hugo de Castro
Foto: Hugo de Castro

Salvo engano é uma via conquistada em 2002, e naquela época eu trabalhava com escalada. Assim que soube que havia uma via de mais de mil metros perto do Rio imediatamente marquei a investida com um amigo. Isso deve ter sido por volta de 2004 e naquela época não tinha Waze, YouTube nenhuma dessas ferramentas que ajudam muito, eram só relatos e textos que pegava na lista de discussão da FEMERJ e no Hang On, pois é… eram os fóruns de discussão/informação da escalada na época e só quem já mastigou bala Banda e comeu Mirabel no recreio vai lembrar disso.

Dias escolhidos, fechamos uma pousada em Secretário (bairro de Petrópolis onde está localizada a Maria Comprida), partimos para fazer o reconhecimento e nada de achar a base, pois é, não conseguimos nem chegar no final da estrada onde deveria ter início a caminhada para a base.

Nova investida em 2008 com a mesma estratégia: pousada e acordar cedo para acessar a base, dessa vez com mais informações, e… chuva! Temporal na manhã e volta mais cedo para casa. Nada de desistir e em alguns anos eu ia voltar.

Voltei em 2018! E a estratégia agora foi outra. Fui em uma manhã com meu parceiro apenas com o objetivo de localizar a base, para voltar na semana seguinte sem perder tempo, e dessa vez deu tudo certo. Usando as dicas do site Escaladas Clássicas do Mauro Chiara, esse cara é um verdadeiro “Google ambulante”, chegamos ao final da estrada onde se deixa o carro e pula a porteira, acessamos a trilha e em cerca de uma hora estávamos na base da via. Missão cumprida! Agora era só voltar na semana seguinte, fácil certo?! Errado! Poucos dias depois de acessar a base, a vida me deu uma rasteira daquelas que a gente pensa que nunca mais vai se levantar, daí me afastei por uns dois anos da escalada e parei de pensar em Maria Comprida, Nebulosa ou qualquer coisa… Entrei de férias de viver por um tempo.

Com certeza você já ouviu essa frase super clichê: “Tudo passa” … E acredite, é verdade. Tudo passa e passou mesmo. Me recuperei e aos poucos fui retomando projetos que tinham ficando no fundo da gaveta da minha cabeça, até que chegou a hora da Nebulosa.

Em 2024 convidei meu amigo e parceiro Bruno Negreiros, que ficou amarradão e aceitou o convite na hora. Definimos a data e dessa vez a estratégia foi outra: chegamos sexta-feira por volta das 13h em Secretário, deixamos nossas coisas na pousada e partimos para a base com o objetivo não apenas de fazer o reconhecimento, mas também de deixar duas enfiadas fixas na parede. Deu tudo certo!!! Com as dicas do Alex Tchê (um dos conquistadores da via) e do Felipe Lombardi (Drone Aventura), acessamos a base da via sem maiores problemas, escalamos até a P2 e deixamos as cordas fixas. Por volta das 18h já estávamos de volta na pousada para descansar e focar na escalada no dia seguinte, que começou exatamente às 6h de sábado.

Cordas fixas, prontos para começar a escalar a via Maria Nebulosa
Cordas fixas, prontos para começar.

Deixar as duas primeiras enfiadas fixas ajudou bastante, afinal são 1040 metros de via e 20 enfiadas. O tempo estava perfeito, nublado e temperatura de boa. Chegamos no cume ao meio dia, um excelente horário, deu para curtir um lanche e iniciar a descida com calma, sabendo que ainda tínhamos horas de luz pela frente. Pisamos em terra firme (que frase de efeito heimn?! Gostei…) às 18:50 e às 20h já estávamos em uma padaria, moídos e felizes.

Clima perfeito para escalar uma via longa como a Maria Nebulosa
Clima perfeito para escalar uma via longa como a Maria Nebulosa

Cume da via Maria Nebulosa
Foto no cume

Pronto! Maria Nebulosa 20 anos depois. Missão cumprida!

A Via Maria Nebulosa

A via passou por uma reforma recente e ninguém melhor que o Tchê para falar sobre isso, vale assistir esse vídeo publicado pela Alta Montanha:

De fato, parece que a exposição ficou mais social e está com muita proteção novinha em folha, mas continua sendo uma via E3 e em alguns lances E4 com certeza.

Como bem definiu um amigo meu, dá para dividir a Maria Nebulosa em três partes distintas e foi com isso na cabeça que entramos na via.

Tocando pra cima na Maria Nebulosa, agora só faltam 18 enfiadas
Tocando para cima! Só faltam 18 enfiadas

A primeira parte são as 4 primeiras enfiadas, uma escalada com muita aderência e alguma agarrência, com muitos lances de 4º e alguns de 4+… Quem não tem costume de aderência pode não se sentir muito confortável, mas considero o grau sugerido super justo.
Depois da P4 vem uma sequência de enfiadas muito fáceis, inclusive com lances de 2º, então é a hora de ganhar tempo e tocar a francesa e foi isso que eu e o Bruno fizemos, escalamos em simultâneo da P4 até a P13, onde tem um enorme platô de mato, de onde começa a terceira e última parte da via.

Início as enfiadas a francesa na via Maria Nebulosa
Início das enfiadas a francesa

A partir da P13 a via fica mais interessante e vertical, tem o crux de 5º, uma barriga protegida (muito bem protegida) em móvel e mais um ou outro lance um pouco mais apimentado. Pronto! Cume da Maria Nebulosa!

Kiko Araujo após completar a escalada da via Maria Nebulosa
Cara de felicidade depois de completar a missão

Foi só assinar o livro de cume, lanchar e iniciar a descida. 20 rapéis, que só são possíveis levando duas cordas de 60m. Outra opção é descer pela caminhada, mas não achamos que valia a pena, seria preciso arrumar alguém para fazer o resgate na saída da trilha, uma vez que fica do lado oposto da escalada e ainda pedir uma autorização para passar pelo terreno de um condomínio… Que nada! Bora rapelar!

Vale a pena assistir esse lindo vídeo feito pelo meu camarada Felipe Lombardi, Drone Aventura. Dá para ver a imponência dessa montanha em detalhes:

Valeu Bruno pela parceria! Em breve vamos nos meter em mais roubadas.

Abs e boas escaladas!

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Kiko Araujo
Kiko Araujo

Escalador desde 1992, tem trabalhado com o mercado outdoor desde 1998, quando fundou a escola de escalada Parede, com seu amigo e sócio Pedro Lacaz Amaral. Posteriormente, em 2001 fundou a empresa Proativa, que fez a gestão das marcas Deuter, Sea to Summit, Azteq e CamelBak no Brasil até 2024. Atualmente trabalha na empresa Promeal, a qual é sócio fundador, especializada em alimentação operacional e de sobrevivência. Formado em marketing, é especializado em marketing de relacionamento.

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