Quantas vezes, ao viajar, você contratou serviços locais sem pesquisa prévia? Ou se expôs a uma situação de risco sem preparo? Esse cenário, infelizmente, é comum entre os turistas que participam de atividades na natureza pelo Brasil e mundo afora. Mas a sensação de que nada ocorrerá durante os momentos de diversão coloca muitas pessoas em perigo.
Nos últimos meses, acompanhamos casos que vão desde resgates em parques nacionais a fatalidades durante passeios de balão e trekking na Indonésia. Tais ocorrências nos trazem – e não é de hoje – um alerta importante: estar na natureza de forma segura exige planejamento, preparo físico, conhecimento e muita pesquisa.
Segundo dados da Férias Vivas, 99% dos acidentes envolvendo turistas poderiam ser evitados. A ONG atua no mercado desde 2002 com a conscientização sobre a adoção de práticas seguras em atividades de turismo. Sua fundação foi motivada após o falecimento da filha de Sílvia Basile, aos 9 anos, durante uma atividade com cavalo, em um resort em Maragogi (AL).
Entre os mais de 4.000 casos acompanhados pela ONG, as principais causas identificadas de acidentes com turistas foram:
- Sinalização inadequada: 93%
- Descaso com equipamento de proteção: 77%
- Negligência do profissional: 70%
- Falha de equipamentos: 57%
- Imperícia do prestador: 49%
- Imprudência do turista: 46%
Segundo Luiz Del Vigna, diretor-executivo da Abeta (Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura), três pontos importantes – muitas vezes ignorados pelos praticantes de atividades ao ar livre – colocam a segurança em risco. São eles: informalidade, ilegalidade e a baixa qualificação profissional existentes no mercado. Esses aspectos refletem diretamente nas causas de acidentes apontadas pela Férias Vivas.
“O universo de turismo de aventura é muito dissipado e pouco formal. Eu rodo o Brasil e sei do que estou falando. Acidentes acontecem o tempo todo, mas nem todos são mostrados, nem entram para as estatísticas”, conta Luiz.
Para Sabrina Saltori, consultora de segurança turística da ONG Férias Vivas, quanto mais a cultura de segurança e prevenção for praticada pelas pessoas, mais vidas serão preservadas. “Geralmente, a gestão de crise após um acidente é priorizada, em vez da situação de risco. Quanto mais conseguirmos inverter esses papéis, mais seguros estaremos.”
3 recomendações para realizar atividades seguras com empresas e guias
1. Informações mínimas preliminares ao usuário
Para Luiz Del Vigna, realizar uma atividade segura na natureza exige do consumidor a busca por conhecimento e a autorresponsabilização por suas escolhas. Se você vai realizar uma atividade de risco, é imprescindível contratar uma empresa que reconheça e trate esses riscos de forma aprofundada, e tenha um plano de emergência para eventuais acidentes.
Carlos Eduardo Santalena, escalador, guia de montanha e fundador da Grade6 Expedições, afirma que em uma atividade ao ar livre, seja ela de baixo, médio ou alto risco, as agências têm como premissa apresentar uma série de informações preliminares. Além disso, elas devem fazer uma anamnese inicial do cliente para checar se ele está apto ou não para a atividade em questão.
Carlos Santalena
O montanhista já esteve no Monte Rinjani, na Indonésia, foi o brasileiro mais jovem a chegar ao topo do Everest e o sul-americano mais novo a completar a escalada das maiores montanhas de cada continente. Segundo ele, nas informações mínimas preliminares ao usuário devem constar:
- Nível de preparação física exigido para a atividade
- Equipamentos necessários
- Tipo de alimentação, suplementação e conduta durante os dias de expedição
- O que está ou não incluso no pacote para que a pessoa se programe e inclua, por exemplo, seguros de saúde e resgate
- Briefing completo e detalhado de cada dia da expedição e como ele será executado
- Informação sobre a quantidade de guias por cliente e o ritmo de caminhada considerado
Segundo Santalena, a quantidade de guias pode variar dependendo das atividades, mas deve ser considerado no máximo um para três clientes em atividades de montanhismo e trekkings em geral. “Em grupos grandes, há diferenças de ritmos, o que impacta a atividade dos guias. Lembrando que eles também são responsáveis por outros serviços, como alimentação, hidratação e acampamento, que precisa de mão de obra e energia.”
2. Atente-se ao sistema de gestão de segurança (SGS) elaborado pela empresa
Após fornecer as informações prévias, as empresas devem elencar todas as possibilidades e probabilidades de acidentes e incidentes, assim como o tratamento que será dado a eles. Dessa forma, você se certifica de que tanto o dono da empresa quanto o guia têm o máximo de ciência sobre possíveis riscos e como agir em momentos de emergência.
Atitude pouco exercida pelos praticantes, mas fundamental na hora de contratar um serviço, é perguntar se a empresa segue a ABNT NBR ISO 21101. A norma internacional – e referência mundial – estabelece requisitos para sistemas de gestão de segurança em atividades de turismo de aventura. Ela fornece diretrizes para identificar perigos, avaliar riscos e implementar medidas de prevenção de acidentes.
A ABNT NBR ISO 21101 é aplicada para atividades como caminhadas e trilhas, cavalgadas, mergulho recreativo, canoagem, escalada, rafting, voo livre, balonismo, entre outras. Além de estimular a política de segurança documentada, a norma também envolve a capacitação de equipe para atuar em emergências, revisão periódica dos procedimentos, entre outros fatores.
“As leis ditam que qualquer empresa que ofereça uma atividade de turismo de aventura deve obrigatoriamente ter um sistema de gestão de segurança baseado na norma técnica ABNT NBR ISO 21101 e correlatas. Isso consta no Código de Defesa do Consumidor. Para oferecer algo que é perigoso, a empresa tem que tomar todas as medidas para evitar ao máximo um acidente”, explica Luiz.
Seguindo esse planejamento inicial, você evita cair nas mãos de empresas que operam informalmente e ilegalmente. “Existe uma enorme quantidade de empresas que possuem alvará de funcionamento, mas não têm um sistema de gestão de segurança baseado na norma que é exigida pela lei. Então, evidentemente, há aqui um não cumprimento da legislação”, explica Luiz.
3. Conheça o guia que conduzirá a atividade
Outro ponto de alerta do diretor executivo da Abeta refere-se à baixa qualificação profissional em locais turísticos, onde muitos moradores se tornaram condutores de atividades para acompanhar uma tendência local: “Em Praia Grande, em Santa Catarina, por exemplo, onde ocorreu o recente acidente de balão, muitos produtores agrícolas passaram a investir na atividade porque a demanda cresceu. Porém, nunca foram balonistas, não fizeram cursos, nem ganharam experiência. Eles entraram no negócio sem o conhecimento necessário para oferecer uma experiência segura.”
Segundo Santalena, isso acontece em todos os países subdesenvolvidos que dependem do turismo. “A população precisa de retorno financeiro e explora todas as oportunidades locais. A pessoa começa com o amigo, com o irmão, faz a montanha duas vezes, conhece mais ou menos o caminho e vira guia. Não tem uma regulamentação efetiva, o que exige do turista muito mais expertise e habilidades próprias para fazer parte das decisões finais.”
O montanhista ressalta, ainda, a importância de verificar se o profissional tem cursos técnicos e experiências ativas. “A prática garante a automaticidade e velocidade necessárias para atuar em campo. Outro ponto para observar é a experiência que ele tem sobre o destino e sobre a profissão que está exercendo.”
Outras dicas essenciais para a sua segurança:
- Verifique se a empresa consta na Receita Federal e no Cadastur
- Busque a reputação da empresa na internet e com outras pessoas
- Desconfie de empresas que oferecem preços muito abaixo dos praticados por aquelas reconhecidas e recomendadas
- Fique atento às condições climáticas no período da viagem. Se o tempo estiver nublado, certifique-se sobre a viabilidade de realizar o passeio
Atividades na natureza sem guias: o que fazer para evitar acidentes
O despreparo e a ansiedade para chegar às montanhas são fatores que levam muitas pessoas a se acidentarem em atividades na natureza. Ao verem os destinos nas redes sociais e mídia, elas partem com grupos de amigos para aventuras sem se preparar adequadamente. Somente quando encaram a realidade, cai a ficha de que não estavam preparadas – o que, muitas vezes, pode ser tarde demais.
Evitar acidentes também deve ser uma responsabilidade individual. Segundo a ONG Férias Vivas, a imprudência do turista, que pode ser evitada com capacitação e bom senso, é responsável por 46% dos acidentes.
“Os acidentes acontecem por uma somatória de erros: falta de conhecimento, habilidades, escolha errada de equipamentos, do local para fazer as atividades e de checagem da previsão do tempo. A maior parte acontece em grupos com menor experiência, que vão para trilhas que exigem esforço sem preparação”, afirma Ronaldo Franzen Nativo, montanhista e fundador do COSMO (Corpo de Socorro em Montanha), associação civil sem fins lucrativos. Fundado em 1996, o COSMO atua com resgates no Parque Estadual Marumbi, no Paraná, e em áreas do entorno, com cerca de 40 montanhistas voluntários.
Marcio Hoepers, presidente da Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada (CBME), afirma que a porta de entrada para quem deseja seguir de forma independente em atividades na montanha deve se dar por meio dos clubes e associações. As instituições ensinam e preparam as pessoas para estarem na montanha com segurança, aplicando cursos voltados ao montanhismo e escalada em rocha, além de primeiros socorros, como se portar no ambiente de montanha, segurança, entre outros.
“Os cursos e a troca com membros mais experientes fornecem uma base para que a pessoa galgue degraus com o tempo. Porém, muita gente pula etapas por achar que não precisa. Para evoluir no montanhismo é preciso ter uma base sólida para, inclusive, aprender a sair de situações desafiadoras.”
Segundo o presidente da CBME, o montanhismo é classificado como uma atividade perigosa, mas não de risco – ela se torna segura a partir do momento em que você se prepara. “A experiência, as vivências e anos de prática te levarão a ser um montanhista experiente, cuidadoso e atento aos riscos envolvidos.”
Ninguém está imune aos imprevistos, mas Marcio ressalta que quanto melhor o planejamento, mais chance de sucesso. “O êxito nem sempre é o topo da montanha, e sim voltar vivo para a casa. O bom montanhista sabe a hora de parar. Você pode chegar ao seu limite, mas tem que saber medir se está ultrapassando a fronteira entre a segurança e a sua capacidade. Somente os anos de montanha vão te ensinar isso.”
Outro fator a ser considerado na hora de se planejar com segurança é avaliar o local da expedição. “Se você vai para países subdesenvolvidos, tem que ter consciência de que eles não têm tanta estrutura. A maioria dos parques não é estruturada para receber muitas pessoas, e alguns têm restrição de número de pessoas. Nem todos possuem uma equipe de resgate a postos, dependendo do corpo de bombeiros e de voluntários”, explica Marcio, ressaltando como exemplos de excelência as estruturas de resgate da Europa e dos Estados Unidos.
Antecipar possíveis incidentes não é pessimismo
Segundo o Coronel Leite, especialista em busca e salvamento, montanhista, paraquedista e praticante de outros esportes na natureza, avaliar com seriedade os riscos é essencial para o planejamento de qualquer atividade. “É preciso maturidade para antecipar imprevistos e as possibilidades de erros. Se você vai fazer uma aventura, deve pensar primeiro no que pode dar errado. Isso não é pessimismo, é preparação.”
Confira as instruções do Coronel Leite para uma experiência segura na natureza:
- Estar sozinho pode ser perigoso: se você é uma pessoa com pouca experiência ou já iniciado, mas fará um grande desafio, Leite aconselha estar com no mínimo duas pessoas. “Se acontecer alguma coisa com você, eles conseguem te carregar.”
- Compartilhe o seu itinerário: ao sair para uma atividade na natureza, diga para as pessoas próximas o local, a hora de partida e, principalmente, de retorno.
- Pense nos imprevistos: vai começar uma trilha de manhã e terminá-la no início da tarde? E se algo der errado e começar a escurecer? Leve sempre uma lanterna, mesmo que pequena.
- Cheque a previsão do tempo: mesmo em dias ensolarados, o tempo pode virar e imprevistos acontecerem. Capa de chuva e corta-vento podem evitar problemas como hipotermia. Não esqueça de levar protetor solar e boné para proteger contra a insolação.
- Poupe a bateria do celular. “O celular foi feito para se comunicar, mas as pessoas usam como câmera fotográfica, e ficam sem bateria para acionar alguém.”
- A hidratação também é um ponto de atenção: deve-se considerar um volume grande de água, principalmente em locais sem recursos.
- Use calçados apropriados: além de prevenir bolhas, eles evitam acidentes como torções, bastante comuns.
- Kit de primeiros socorros: leve sempre o que você usa naturalmente e itens pensados em caso de imprevistos. Neste vídeo, Pedro Lacaz Amaral, fundador do Gear Tips, conta o que está sempre com ele em suas atividades na natureza.
- Invista em orientação e navegação: o conhecimento técnico ajuda você a não se perder e auxilia em casos de resgate. Leve sempre uma bússola e um rastreador.
Em situações de possíveis resgates, também é imprescindível saber como e onde se comunicar. Segundo o Coronel Leite, rastreadores como o SPOT são fundamentais para quem está sempre na natureza, por funcionarem via satélite, sem a necessidade de cobertura de celular.
O SPOT possui dois botões: SOS e ajuda. O botão SOS é apenas para emergências. Ao apertá-lo, a FocusPoint International, Inc. fornece coordenação e monitoramento de resgate de emergência por meio de seus centros dedicados à coordenação de busca e resgate. Você cadastra seus contatos de emergência no sistema – aqueles que confirmarão que você está no local informado – e, então, eles acionam o protocolo que envolve entrar em contato com as autoridades locais.
Já o botão de ajuda serve para alertar os seus contatos pessoais cadastrados de que você precisa de ajuda em situações que não envolvem risco de morte. Dessa forma, elas poderão tomar as providências necessárias para te ajudar.
10 Essentials (10 Essenciais)
Montanhistas americanos criaram, nos anos 30, uma técnica de precaução chamada 10 Essentials (10 Essenciais): uma lista de 10 itens que nos prepara para todas as situações. Neste vídeo, Pedro Lacaz Amaral, fundador do Gear Tips, apresenta todos os itens e traz dicas de como se planejar com segurança.
APP EU VIVI: o Trip Advisor da segurança
Desde 2017, a ONG Férias Vivas mantém o aplicativo EU VIVI para ajudar as pessoas a vivenciarem experiências mais seguras. A ferramenta é gratuita, colaborativa e voltada a atividades turísticas no Brasil. Com o aplicativo, você pode consultar em tempo real situações de riscos, acidentes e boas práticas, além de compartilhá-las.
App EU VIVI
Sofri um incidente ou acidente, o que fazer?
A primeira recomendação do Coronel Leite é fazer uma autoavaliação. Pergunte-se: “Eu tenho condições de sair daqui pedindo ajuda para a família ou com auxílio dos meus companheiros?” ou “Consigo continuar a caminhar para chegar a um local de acesso?” Caso positivo, não acione o serviço de resgate.
Telefones úteis: ao verificar que não há jeito, ligue para o 193 (Corpo de Bombeiros) e 190 (Polícia Militar). Caso necessário, eles acionam outros órgãos. “Esses dois números são mágicos e estão integrados.”
Ajude a te localizar: “Você está no meio do mato falando com o socorro. Como dirá onde está exatamente? Se você tiver uma bússola na mão e ouvir o barulho do helicóptero, por exemplo, já consegue dar as suas coordenadas e começar a localização. Pequenos procedimentos podem salvar uma vida. Você precisa ajudar no resgate e, para isso, precisa ter noção de orientação e navegação”, reforça o Coronel.
Está perdido? A dica é chamar o resgate, e não ficar tentando se achar. Não tenha vergonha de pedir ajuda.
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