Venho correndo Ultramaratonas desde 2007. Desde lá, foram cerca de 6000 km em provas e mais uns tantos correndo e treinando por aí. Na verdade, acho que comecei mesmo em 2003, com as Corridas de Aventura. Foi quando descobri que gostava das provas longas. Muito longas!
No final de 2006, meu amigo Adriano Seabra me perguntou se eu gostaria de fazer apoio em uma prova que ele tinha se escrito. Perguntei se eu não podia participar. Me respondeu que deveria mandar o currículo esportivo.
Pensei que se o Adriano, com todo o histórico dele em Triathlon e outras provas ainda não tinha sido aceito, eu poderia enviar meu currículo por brincadeira… Foi o que fiz.
Passado um tempinho, chega um e-mail do Mario Lacerda, diretor da prova, me apresentando e terminando o texto com “BOA PROVA MAURO”. Como assim?! Imediatamente liguei para o Adriano pedindo para ele checar as mensagens dele pois eu achava que tinha sido aceito:
– É Mauro… Você foi aceito!
– Caracas Adriano. E agora???
– Ué… Agora você vai correr.
Hora de me preparar para minha primeira ultramaratona
A partir daí fui me inteirar para ver detalhes da prova que tinha me inscrito. Brazil135. 135 milhas. Uma ultramaratona com um percurso de 217 km pela Serra da Mantiqueira, no pior trecho do Caminho da Fé, equivalendo a subir e descer o Everest, em até 60h (depois diminuiu para 48h).
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Na primeira edição da BR, fomos 20 atletas selecionados. Lá fui eu para Águas da Prata, local da largada, com minha equipe de apoio, formada pelos meus amigos Henrique Momô e Marcelão. Momô estudou comigo no Segundo Grau e Marcelão também fazia Corridas de Aventura.
Aliás, nossa bagagem em provas de Aventura me ajudou muito no planejamento, organização e logística. Todas as minhas coisas ficavam organizadas em caixas tipo containers plásticos. Um para roupas e equipamentos e outra para alimentação. Tudo separado em sacos para facilitar. Por exemplo, as meias ficavam em um saco, primeiros socorros em outro, lanternas e pilhas em outro, etc. A cada parada, as duas caixas eram colocadas na minha frente e só eu mexia nelas. Assim sabia direitinho onde estava cada coisa.
Finalmente, lá fui eu para a largada. Tinham corredores conhecidos das Ultramaratonas, como o Manoel Mendes, Sergio Cordeiro e Valmir Nunes.
Eu esperava que após o sinal de largada as pessoas sairiam correndo. Mas, ao invés disso, partimos em uma caminhada geriátrica na orla 😂.
Todos iam conversando, falando sobre outras provas. Como eu não conhecia ninguém e nunca tinha participado de uma Ultramaratona, fiquei meio deslocado, acompanhando a galera. Foi quando ouvi alguém comentando que provas como essa só começam no Km 180!!! Pensei comigo:
– Meu Deus!!! E o que eu vou fazer até lá?! Acho que é melhor eu começar a correr!
Foi o que fiz. Me sentia muito bem e corria sem parar. E nas primeiras 24h, ao invés daqueles 100 km planejados, eu fiz cerca de 170 km e estava em quarto lugar na prova.
No Km 180, onde segundo aquele cara, a prova começava, meu corpo implodiu. Meus tornozelos incharam muito e fiz tendinite neles dois. Era uma tendinite clássica conhecida como corda de violão, pois conforme você se movimenta faz um rangido como quando passamos a unha em uma corda de violão. Também apareceu um calombo na minha canela esquerda que eu achava que poderia ser uma fratura por stress.
Não conseguia mais caminhar. Minha velocidade de deslocamento passou a 2 km/h. Minha sensação é que as lesmas do caminho me ultrapassavam.
Manoel Mendes vinha passando por mim, parou e perguntou o que tinha acontecido. Expliquei e ele me perguntou o que NÓS iríamos fazer. Como assim nós??? Respondi que eu iria continuar me arrastando e ele deveria tentar vencer a prova. Manoel me respondeu que não poderia me deixar sozinho naquela situação. Insisti que estava tudo bem e ele seguiu em frente.
Depois passou o Sergio Cordeiro e a cena foi parecida. Ele me perguntou se eu iria continuar. Eu disse que sim. Sergio disse então que estaria me esperando na linha de chegada. E foi embora. Marcelão e Momô sugeriram que eu abandonasse a corrida, pois não fazia sentido continuar com tanta dor. Argumentei com eles que apesar de toda a dor, eu estava me divertindo e desfrutando aquele momento.
Na verdade, eu estava descobrindo um esporte diferente, que apesar de ser individual, os competidores de ultramaratonas (e suas equipes de apoio) se ajudavam e davam força para os demais atletas. Isso era completamente diferente de tudo que eu já havia vivenciado em minha vida esportiva.
Segui em frente da forma que podia. Na BR, as ladeiras são infinitas. Por causa das lesões, não conseguia mais descer. Não sei como, mas descobri que era possível descer de costas. Então, eu parava no início de cada ladeira, virava de costas e descia. Engraçado que depois da prova saiu uma matéria em uma revista dizendo que “Mauro desenvolveu a técnica de descida de costas”. Só rindo mesmo…
Como meu deslocamento estava muito lento, tinha a preocupação em terminar a prova no tempo limite. Por isso, segui praticamente sem parar para dormir. Com isso surgiu mais um problema: privação de sono. A privação de sono prejudica sua capacidade decisória, além de criar alucinações. Tive algumas alucinações divertidas, como ver elefantes e uma senhorinha que me acompanhava e sorria para mim.
Tinha medo de adormecer e cair no caminho, pois podia me levantar e seguir na direção contrária da que deveria ir. Para resolver esse problema, traçava micro objetivos para percorrer. Por exemplo, mirava em uma árvore que estava muito próxima e ia até ela. Dali, achava algum outro marco e continuava.
Finalmente, me aproximava do final. O Rodrigo Cerqueira, da organização passou por mim para ver como eu estava e foi para a cidade de Paraisópolis, local da chegada. Ele avisou ao Sergio Cordeiro que eu estava chegando. O Sergio convocou os outros corredores para irem me aguardar na linha de chegada e foi com o Marcelão me encontrar na trilha.
Que alegria vê-los vindo em minha direção. Me acompanharam até cruzar a faixa.
Quanta emoção!!! Emoção maior ainda quando vi o Manoel Mendes chorando copiosamente vendo minha chegada! Essa experiência foi tão transformadora que resolvi seguir correndo Ultramaratonas.
Concluindo mais uma edição da ultra Brazil135
Descobri que essas corridas são verdadeiras travessias internas e externas. Que é possível traçar muitos paralelos entre as vivências nas provas e nossos cotidianos pessoais e profissionais. A partir daí, tive a oportunidade de correr muitas outras ultramaratonas, como a temível Badwater no Vale da Morte na Califórnia, Jungle Marathon na Floresta Amazônica, Mt. Gaoligong na China, Mountain to Valley em Israel, PT281+ em Portugal e recentemente, os 1001 km da PT1001, percorrendo Portugal de norte a sul em 14 dias.
Cruzando a linha de chegada da ultramaratona PT1001, em Portugal
E assim vou seguindo meu Caminho nas Ultramaratonas, procurando provas inéditas, em lugares ermos, com paisagens deslumbrantes ou historicamente interessantes.
Termino esse nosso primeiro encontro com uma frase da Badwater:
“ORDINARY PEOPLE DOING EXTRAORDINARY THINGS”
Esses somos todos nós. “Pessoas comuns fazendo coisas extraordinárias”!
Abraços e bons ventos,
Mauro Chasilew (@maurochasilew)
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