Mashallah, do Ártico à Ásia de bicicleta

Se alguém me dissesse há alguns anos que a minha própria história estaria estampada em publicações de viagem, como esta que você está lendo, provavelmente eu não acreditaria. Aos 33 anos de idade, em 2016, eu já tinha um bom currículo como viajante, mas aquelas experiências, predominantemente profissionais, precisavam transbordar. Jornalista, por seis anos rodei o mundo em coberturas internacionais em viagens curtas, apressadas e desgastantes – como manda o figurino da profissão. Vi muitos países apenas através das janelas do carro nos traslados entre aeroporto, hotel e estádios de futebol. Foi uma experiência fantástica, mas aos poucos comecei a sentir falta de ver a vida passar mais devagar, estar mais próximo da natureza e de me conectar com as pessoas e as culturas locais.

Saí de um extremo e fui a outro e, o que parecia inimaginável, aconteceu. Deixei a intensidade e superficialidade daquela dinâmica de vida para viajar à minha maneira. E, quando me dei conta, 31 países ficaram para trás em mais de 1000 dias de viagem e quase 28 mil quilômetros pedalados. Sim, pedalados. Essa é a minha maneira de viajar. Levando comigo apenas o que eu posso carregar.

O que não mudou nesse tempo foi ter o passaporte cheio de carimbos e a ânsia por contar histórias. Por bastante tempo carreguei um alforge (aquelas bolsas usadas no cicloturismo) cheias de equipamentos fotográficos. Cheguei a ter mais de dez quilos de bagagem só considerando câmera, lentes, microfone, gravador de som, tripé, notebook, baterias e etc. O palco era perfeito para a documentação e eu tinha um arsenal para isso. No entanto, algo aconteceu enquanto eu fotografava auroras boreais na Finlândia e a maneira de eu viajar – e ver o mundo – mudaria radicalmente.

Aurora Boreal na Finlândia
Aurora Boreal na Finlândia.

“Desajeitado, eu tentava me entender com a headlamp ao mesmo tempo em que colocava o tripé no nível, buscava uma composição e ajustava ISO, abertura e velocidade da câmera fotográfica. Enquanto eu espremia apenas um olho para definir os últimos ajustes da fotografia no viewfinder, preparando o momento em que finalmente eu apertaria o disparador, tudo ficou escuro. A aurora havia desaparecido.

O drama não era ter perdido o espetáculo do céu da Escandinávia, e sim o desconforto que imaginar aquela cena vista de fora me causou. De repente, para um observador externo, o único ponto visível naquela estrada no meio do nada teria sido o meu próprio rosto, iluminado pela tela da câmera. Essa imagem fez com que questionamentos começassem a invadir os meus pensamentos sem pedir licença.”

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As auroras haviam descarregado em meu cérebro não só uma nova paleta de cores, mas uma manifestação da natureza que me trazia emoções impossíveis de transmitir. Os momentos não cabiam mais na foto. Senti que eu precisava calibrar o meu olhar e reeducar alguns velhos hábitos. Ali nascia uma nova viagem. A história que escolhi contar no livro que acabei de lançar – Mashallah, do Ártico à Ásia de bicicleta.

O livro é um recorte dessa experiência de quase três anos em que vivi na estrada e, como o nome sugere, se resume à viagem que fiz do norte da Europa ao Oriente.

Livro Mashallah, do Ártico à Ásia de bicicleta

“Estávamos em nosso primeiro istão, mais precisamente na região dos sete istãos — ou seven stans. O sufixo stan vem do persa e é equivalente ao inglês land. Significa terra, território ou nação, assim como encontramos em Iceland, Ireland, Scotland etc. Dos sete istãos, cinco estão na Ásia Central: Cazaquistão, Uzbequistão, Turcomenistão, Tajiquistão e Quirguistão. Completam a lista Afeganistão e Paquistão, localizados no sul do continente, mas que fazem fronteira com alguns dos vizinhos mencionados. O prefixo kozak em russo também é encontrado como kazak em turco e, em ambos os idiomas, tem o mesmo significado: nômade, homem livre, errante. Se nos aprofundarmos nas origens das línguas indo-europeias, vamos encontrar ainda mais referências ao estilo de vida que escolhi levar. Em tcheco, stan significa barraca; em búlgaro, acampamento, e em russo, assentamento.

Como dois cazaques que carregam o próprio istão na bicicleta, eu e Pascal (o meu amigo suíço da foto abaixo) seguimos atravessando aquele deserto rumo às montanhas da Ásia Central.”

Nesta altura do livro, já estou no Cazaquistão e na companhia de um novo amigo: o suíço Pascal. Ali já havia um objetivo definido: percorrer a segunda estrada mais alta do mundo, a Pamir Highway, trecho da antiga rota da seda entre o Tajiquistão e o Quirguistão.

Cazaquistão - viagem de bike Israel Coifman
Cazaquistão.

“A fusão de contemplação e sofrimento atingiu seu ápice na manhã seguinte, quando cheguei ao ponto mais alto do Wakhan. Com indisposição e dores de cabeça por conta da altitude, avancei os oito quilômetros restantes e alcancei o passo Kargush, 4.344 metros acima do nível do mar. Há muitas viagens dentro da Pamir. A experiência é um paradoxo repleto de clichês, como o desejo de chegar logo versus a excitação de não querer que a viagem termine. Uma antirromantização do sofrimento, que traz à flor da pele mais ódio do que amor. E que nos faz ver beleza nas pequenas vitórias — como conseguir prender a barraca no chão e não se abalar por perder parte do jantar após um dia de sacrifícios. O temido Wakhan Valley havia ficado para trás. Uma viagem espetacular que redefiniu os meus limites. Apesar de devastado, saí dele mais forte.”

Pamir Highway, Tajiquistao
Pamir Highway, Tajiquistao.

O livro “Mashallah – do Ártico à Ásia de bicicleta” conta a ininterrupta viagem que fiz da região do Círculo Polar Ártico às curvas sinuosas da antiga Rota da Seda na Ásia Central. Uma mescla de diário de bordo, narrativa de aventura, história e reflexões das experiências vividas em 19 países: Dinamarca, Finlândia, Rússia, Estônia, Letônia, Lituânia, Bielorrússia, Ucrânia, Moldávia, Romênia, Bulgária, Turquia, Geórgia, Armênia, Azerbaijão, Cazaquistão, Uzbequistão, Tajiquistão e Quirguistão. É um manifesto sobre como não se aprisionar no próprio grito de liberdade e permanecer no sonho, mesmo que a viagem acabe. Agora, com o patrocínio do Gear Tips, Deuter e Sea to Summit, parceria que nasceu despretensiosamente, como um desses encontros de estrada, quando nos convidam para tomar um chá.

Você pode adquirir um exemplar do livro na pré-venda clicando no link abaixo:

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Com carinho,
Israel Coifman.

Israel Coifman
Israel Coifman

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Israel Coifman

A paixão pelo esporte levou Israel Coifman ao jornalismo, profissão que lhe apresentou o mundo. Trabalhou em Olimpíadas, Copas do Mundo e com conteúdo publicitário entre agências e emissoras de TV. Atravessou as Américas de carro como documentarista, mas foi com uma bicicleta carregada e acampando em alta montanha que ele se encontrou. Israel saiu do sul do Brasil e pedalou quase 28 mil quilômetros através de 31 países até chegar às montanhas do Quirguistão. De lá, veio a inspiração para assumir os hábitos de estrada como permanente estilo de vida, escrever seu primeiro livro e habitar, definitivamente, a própria liberdade.

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