No dia 25 de abril de 2025, Luiz Aragão seguiu para uma travessia inédita no Brasil: percorrer os 970 km da Trilha Transmantiqueira, que atravessa 38 municípios de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A jornada que durou 77 dias começou no Horto Florestal, em São Paulo, e terminou no Parque Estadual do Ibitipoca, em Minas Gerais, no dia 10 de julho.
A expedição surgiu de um nobre propósito: abrir uma trilha de longo curso na Serra da Mantiqueira para que as pessoas caminhem pelos ambientes naturais com segurança. “Não foi uma experiência de aventura, nem de lazer. Eu fui para mapear, testar o traçado pré-existente e levantar a logística. Partimos sem saber, por exemplo, onde tinha rios com água potável e locais para dormir, em alguns trechos. Tudo foi registrado no meu celular.”
Aragão registrou tudo no celular
A missão de Aragão e dos sete integrantes da coordenação do projeto Trilha Transmantiqueira é proporcionar para as próximas gerações uma trilha pronta com mapa, sinalização e todas as informações necessárias para planejarem seus percursos de acordo com o seu nível, afinidades e dias disponíveis.
Como surgiu o projeto Trilha Transmantiqueira
A ideia da Trilha Transmantiqueira é antiga. Surgiu nos anos 80, época em que o montanhista Sergio Beck já falava sobre uma grande trilha que atravessasse toda a Serra da Mantiqueira. O projeto oficial começou a ganhar corpo somente em 2017 com algumas iniciativas e a formação de uma rede de 300 voluntários, mas ficou pausado durante a pandemia.
Em 2024, ao voltar de uma expedição de 740 km na Trilha Transespinhaço (TESP), na Cordilheira do Espinhaço mineiro, que trouxe melhorias e atualização para o traçado, Aragão reativou os grupos de voluntários. Após um planejamento de 7 meses, ele partiu, então, para a expedição, batizada de EXPED (abreviação de expedição). “Comecei com mais três pessoas que não conheciam a Trilha da Transmantiqueira. Outras pessoas entraram e algumas saíram, e finalizei na companhia de Rannier Barata, que fez o trajeto completo ao meu lado.”
Aragão e seus companheiros iniciais
Projeto visa manter as trilhas da Serra da Mantiqueira vivas
O objetivo do projeto não é criar trilhas, e sim conectar as existentes. Identificar pequenas trilhas para evitar trechos por estradas em locais com grande número de pessoas e propriedades. Além disso, a proposta é a de se antecipar às futuras construções e evitar que caminhos naturais sejam apagados.
“A trilha é viva e vai mudando, mas o tempo urge. Queremos marcar o terreno para que elas resistam mesmo com as construções. E isso tem que ser feito antes da consolidação das propriedades, com base no diálogo e em alternativas viáveis para todos.”
Aragão conta que já possuía um traçado fornecido pelos voluntários com indicações de pousadas e outras informações, mas não era suficiente ou sofreu alterações ao longo dos anos. “Cerca de 40% do traçado anterior vai mudar, principalmente pela enorme quantidade de aquisição de propriedades na Serra da Mantiqueira. Uma trilha centenária que servia para os tropeiros, por exemplo, foi fechada com o surgimento de um hotel no último ano.”
Durante a expedição, Aragão se deparou com portões fechados de casas, o que o obrigou a seguir por estradas em alguns trechos, como em Gonçalves, Minas Gerais. “Tive que sair do traçado anterior porque uma grande fazenda foi vendida e se apropriou da trilha. Em contato com um morador, conversamos sobre a possibilidade de um novo traçado.”
Mais adiante, outro percalço: “Pegamos uma estrada maravilhosa, com uma vista linda para um vale, parecia que eu estava na Europa. Mas quando estávamos chegando no topo, avistamos um portão enorme com cadeado. Não dava para voltar tudo o que já havíamos caminhado e tivemos que negociar com o caseiro para atravessar pela propriedade. Mais à frente, encontramos um morador do condomínio, que me alertou sobre a viabilidade de um novo caminho, e trocamos contato para avançar.”
Todos esses pontos estarão no relatório que será elaborado por Aragão para que o traçado seja refinado de acordo com a realidade.
Acesso à Trilha Transmantiqueira para todos os níveis
Após a expedição, a primeira iniciativa será a atualização do site Trilha Transmantiqueira. A trilha longa será dividida por trechos sinalizados pelas cores verde (para iniciantes), amarela (nível intermediário) e vermelho (para quem tem mais experiência). “As pessoas encontrarão trilhas indicadas para o seu perfil, com opções de hospedagens – que podem ser familiares, pousadas, camping e até Airbnb. Nosso objetivo é que independentemente do seu nível, você possa escolher qual tipo de experiência quer ter. Além disso, estarão mapeadas estruturas como restaurantes e bancos, e telefones úteis.”
Por meio da integração com uma plataforma alemã 360 graus, as pessoas poderão navegar via computador na hora do planejamento, e via celular durante o trekking. Após a conclusão dessa etapa, prevista para ainda esse ano, o próximo passo será continuar a sinalização de todos os trechos com placas para tornar o acesso mais fácil e seguro.
Placas de sinalização da Transmantiqueira
Experiências transformadoras da Trilha da Transmantiqueira
Além de experiências icônicas oferecidas pela Serra da Mantiqueira, como o Parque Nacional do Itatiaia, Parque Estadual do Papagaio, Travessia Marins-Itaguaré e da Serra Fina, Aragão se surpreendeu com o lado mineiro da trilha Transmantiqueira. “Fiquei impressionado com a paisagem dos últimos 200 km, entre Bom Jardim de Minas e Ibitipoca. Existe, inclusive, um novo parque chamado Parque Estadual Serra Negra.” Outros pontos destacados por ele são a beleza da chegada à Pedra do Baú e as pedras existentes em Gonçalves.
Travessia da Serra Fina – durante a Transmantiqueira
Amanhecer na Pedra da Balança em Gonçalves – MG
Para quem aprecia experiências gastronômicas, Aragão apelidou dois destinos de “Transmantiqueira gourmet”: Visconde de Mauá – trecho de dois a três dias de caminhada, que será classificado com a cor verde no site –, e Campos do Jordão, que oferece boa comida e conforto.
Outra experiência vivenciada pelo caminhante e que estará disponível no site foi a recepção dos anjos de trilha, pessoas que já fizeram a trilha há muito tempo ou que têm uma ligação afetiva com ela. “Fomos muito bem recebidos e nos hospedamos de graça em Campos do Jordão, em um local onde os romeiros ficam. Alguns voluntários que encontramos no caminho nos trouxeram queijos, e nos ajudaram de diversas formas.”
Desafios e legados da trilha de longo curso da Serra da Mantiqueira
Antes de sua partida, além de se preparar fisicamente e realizar o planejamento necessário para percorrer os 970 km, com peso nas costas, Aragão se preparou mentalmente para concretizar uma realização pessoal e coletiva.
“Primeiro, eu tive que aceitar que não seria fácil, e que eu estaria longe do meu filho em seu aniversário de 18 anos, que é emblemático. Mas eu tinha que encarar essa missão para deixar um legado para as outras pessoas. O preparo mental me ajudou também a reagir e a manter a calma diante da pior tempestade que enfrentei na minha vida, na Serra do Papagaio, temperaturas negativas no Parque do Itatiaia, e uma nuvem de marimbondos que apareceu no meio do caminho.”
Ao final, a sensação de missão cumprida e a motivação para continuar a implementar trilhas longas no Brasil para promover qualidade de vida e geração de emprego e renda. “Coloquei o meu tijolinho ali para que outras pessoas sigam o mesmo passo. Precisamos de mais brasileiros com o mesmo propósito.”
A conscientização ambiental também é um legado que o projeto Trilha Transmantiqueira ajuda a promover na sociedade. “Eu acredito, do fundo do meu coração, que essas trilhas longas ou pequenas trilhas que se conectam são ferramentas fundamentais para a preservação do meio ambiente. Conseguimos reflorestar pastos, proteger nascentes, denunciar queimada, desmatamento e caçadores. Mas para isso, precisamos de voluntários”, conta Aragão, que reforça diversas formas de colaboração além da caminhada, como atuação no planejamento, pesquisa, comunicação, entre outras funções.
Próximos passos da Trilha Transmantiqueira e de Luiz Aragão
Para o ano que vem, já está prevista a EXPED 2026, que vai continuar se repetindo nos anos seguintes. O objetivo é engajar os voluntários para sinalizar todo o percurso, usando a força coletiva para cobrir todos os trechos da Trilha Transmantiqueira.
Em paralelo, Luiz Aragão se prepara para uma missão ainda mais desafiadora: unir a Transmantiqueira à Serra do Espinhaço. “Estamos chamando o projeto de GTB (Grande Trilha do Brasil). Serão quase 3.000 km de São Paulo até a divisa da Bahia.”
Ambos os feitos tornam o Brasil um exemplo de que é possível implementar trilhas de longo curso de forma estruturada e segura, seguindo o exemplo dos Estados Unidos e da Europa.
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