Mulheres que vão às montanhas

Estar nas montanhas é um desafio aos seus sentidos: novos odores, frio, calor, o visual do topo, da encosta, plantas que arranham, flores que brilham.
O vento que maltrata sua pele e que, em segundos, se acalma.
Ir para as montanhas é, de certa forma, se reconhecer, se encontrar, achar o seu lugar.
Diriam alguns que esse não é um ambiente “para mulheres” (??!!).
Será?

Mesmo quando, às mulheres, era vedado o direito de estar ali, o chamado era forte. E muitas respondiam a ele, assim como fizeram nas ciências e em tantos outros campos, elas sempre estiveram por lá. Foram, fizeram e ponto. Nossa capacidade de resiliência, de empatia, de resistência é o que nos move.

Parece tudo óbvio?

Grupo de mulheres na caminhada na Pedra Bonita - Foto: Dalton Chiarelli
Caminhada na Pedra Bonita – Foto: Dalton Chiarelli

Considerando o tempo da história humana, há pouquíssimo tempo, a decisão de apenas ir até a janela de casa, não era algo tão simples. As mulheres ficavam, literalmente, guardadas, sempre sob a tutela de algum homem. Estudar era algo igualmente direcionado aos homens. Ainda hoje, existem países onde a liberdade das mulheres é bastante restrita seja por questões culturais ou religiosas.

Se hoje, de maneira geral e singela podemos decidir ir acampar, por exemplo, isso custou grande luta a muitas pessoas. Esse simples ato foi conquistado e esse é um ponto que não pode ser esquecido: não há conquista sem luta. E outras lutas virão. Aprender com o passado é uma característica humana que nos diferencia dos outros animais. Diversas foram as mulheres que, apesar das questões sociais, religiosas e culturais lograram sair do “normal” e foram ser felizes nas montanhas.

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Voltando àquelas que atenderam o chamado, com alguma pesquisa, é possível saber de nomes de várias delas que se encontraram com o seu sonho de estar no topo, de seguir em frente, de se fortalecer com a jornada.

Mary Kingsley, nascida na cidade de Londres, na Inglaterra, em uma de suas viagens a África, teve um encontro com uma tribo de canibais, os Fang, por volta de 1893. Ela logrou conquistar seu respeito e se tornou a segunda pessoa a escalar o Monte Cameroon, o ponto mais alto da África Ocidental, com 4.194 m.

Lucy Walker uma montanhista britânica foi a primeira mulher a escalar o Matterhorn. Ela começou a escalar modestamente em 1858, quando foi aconselhada por seu médico a começar a caminhar para a cura de reumatismo. Acompanhada por seu pai Frank Walker, seu irmão Horace Walker, ambos os primeiros membros do Alpine Club, e pelo guia de Oberland Melchior Anderegg, ela se tornou a primeira mulher a escalar regularmente nos Alpes. Apesar de seus feitos não terem inicialmente sido noticiados ela ficou conhecida por várias primeiras ascensões femininas como por exemplo a do Eiger, em 1864.

Mulheres escalando nas montanhas dos Alpes

Além do Eiger, ela já havia sido a primeira mulher a escalar a Aiguille Verte (1870), o Lyskam (1868), o Gross Fiescherhorn (1868), o Schreckhorn (1867), o Weisshorn (1866), o Dom (1866), o Rimpfischhorn (1864). ), Grand Combin (1864), Zumsteinspitze (1863), Finsteraarhorn (1862) e Strahlhorn (1860). Em 1873 ela adicionou o Taschhorn a esta invejável lista de primeiras subidas em um total de 98 expedicoes. Em 1909 ela se juntou a outras no recém formado Ladies’ Alpine Club (Clube Alpino de Mulheres) onde foi aclamada por seus feitos. Ao clube dedicou muito de suas expereincia e serviço até 1915, um ano antes de sua morte.

As mulheres nas montanhas brasileiras

A primeira escalada técnica realizada no Brasil foi realizada por Henrietta Carsteirs em 1817, no Costão do Pão de Açúcar. Fato esse envolvido em toda uma questão política e social. Era uma mulher inglesa erguendo a pendão inglês nas barbas dos cadetes e oficiais da Escola Militar da Praia Vermelha na Urca, Rio de Janeiro, a capital da Corte.

Luzia de Freitas Caracciolo, foi a primeira mulher a escalar o Dedo de Deus, em setembro de 1933, aos 19 anos de idade. Era sócia honorária do Centro Excursionista Brasileiro (CEB a primeira associação esportiva dedicada ao Montanhismo). Ela contava essa aventura como uma espécie de brincadeira.

Dona Luiza na Pedra da Gávea (RJ), em 1933
Dona Luiza na Pedra da Gávea (RJ), em 1933

Dona Luzia, como nós a chamávamos, foi para o reino das montanhas eternas aos 91 anos. Ela, após deixar as montanhas, por questões familiares, se dedicou à sua outra paixão, a natação, esporte em que conquistou diversas medalhas e recordes em mundiais, sendo consagrada campeã de natação sênior. Êh, Dona Luzia! Uma grande mulher que tive a honra de conhecer.

Nos anos 90, Roberta Nunes – em sua meteórica e prolífica carreira, se destacou não só por suas conquistas e ascensões, mas por ter sido uma escaladora tecnicamente completa.

Roberta Nunes
Roberta Nunes

Como nós, mulheres, temos biologicamente uma tendência a fazer “ninhos”, muitas criaram em torno de si verdadeiras incubadoras de novos montanhistas.

Os Clubes de Montanhismo cariocas – entidades tradicionais com sede própria, em geral – propiciaram um bom ambiente para essa tarefa e registram em suas histórias, muitas dessas mulheres. Algumas delas tive a felicidade de conhecer.

Cordada Feminina - 1985 - Centro Excursionista Rio de Janeiro
Cordada feminina, em 1985 – Centro Excursionista Rio de Janeiro

Vou citá-las nominalmente como representantes de uma infinidade de outras. Isso não significa que todas elas não tenham meu respeito e o merecido crédito pelo trabalho que empreenderam e por viverem o espírito da Montanha em suas vidas, ao limite.

Começando pelos anos 40 e seguindo até hoje, Alda Pacheco da Rocha, Cyonira Hollup, Layla Carrozino, Anita Mesquita (a Nitona), Mary Aranha, Dilce Vieira Motta (a Dona Vera), Wilma Arnoud, Vera Regina Loureiro, Simone Leão, Virginia Lessa, Suelly Ribeiro, Jana Ribeiro Menezes, Mariana L. Santos. Ou seja, muito mais do que ir para as montanhas, elas foram além e mantiveram o espírito montanhista vivo através de várias gerações até hoje. A chama ainda está viva.

Rosa Lifchitz e Elza Hamelmann - Cume do Santo Antônio

Genoveva Hubinger
Genoveva Hubinger

Neuza Gelly - Campo Escola Helmuth Helki - Niterói - RJ
Neuza Gelly – Campo Escola Helmuth Helki – Niteroi – RJ

O que se conclui de tudo isso?

Que você que lê esse artigo, mulher ou homem, pode sonhar. Pode ir. Pode realizar.

Vá para as montanhas. Não vá para ser “instagramável”. Vá para aprender sobre você, o seu verdadeiro eu. Para conhecer sobre os humanos que estão com você. Você irá aprender sobre viver.

Rosângela Gelly
Montanhista desde 1984

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Rosangela Gelly

Nascida em São Paulo, Capital. Libriana. Cartesiana. Montanhista desde 1984 e Guia Escaladora desde 1987. É apaixonada por ler, escrever, estudar e escutar histórias. Dessas paixões, nasceu uma vontade enorme de escrever sobre experiências passadas nas montanhas. Daí nasceram dois livros publicados em 2020 e 2022. São eles: “Isso não é coisa de Menina” e “Dedo de Deus, a Montanha Impossível”.

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