Rio de Janeiro – Vias (não) clássicas – Parte 1

Em toda região, cidade ou pico de escalada vão existir as chamadas “vias clássicas” e no Rio isso é ainda mais evidente. É comum conversar com um escalador de fora da cidade e ao perguntar se já escalou no Rio ouvir algo como “sim, a Italianos e a K2″… Clássicas!

Vias clássicas não ganham esse título à toa e é verdade que vale muito a pena repetir essas escaladas, mas que tal sair um pouco do comum, pensar fora da caixa (ou do Instagram), e ainda não perder a viagem caso chegue na base de uma dessas vias e tenha que pegar senha para entrar, afinal de contas as clássicas são as mais frequentadas e histórias de 4 ou mais cordadas na Italianos nos finais de semana são comuns.

Pensando nisso, em salvar a viagem de muita gente que vai escalar no Rio com pouco tempo, resolvi passar algumas dicas de vias que vão fazer a cabeça de quem quer escalar essas montanhas. Foquei em cinco montanhas mega clássicas da cidade: Pão de Açúcar, Cantagalo, Pico da Tijuca, Pedra da Gávea e Corcovado… então vamos lá!

Variante "Por Favor não Grampeie" - Foto: @escaladasclassicas
Variante “Por Favor não Grampeie” – Foto: @escaladasclassicas

Vias no Pão de Açúcar

Antes precisamos falar da Italianos, a clássica das clássicas! Minha primeira paixão no Rio, um ícone.

Quando comecei a escalar (lá em 1992), guiar essa via era um enorme desafio, e um certo rito de passagem. Depois que guiei a Italianos pela primeira vez senti que havia entrado para o “clube”. Isso foi em 94 e desde então fiz a via inúmeras vezes e é sim uma clássica para ninguém botar defeito. Vale dizer que a via mudou um pouco desde os anos 90… Na minha opinião hoje em dia ela tá mais apimentada por dois motivos: a queda da laca que ficava no início da segunda enfiada deixou o lance ali um pouco pior, mas o principal é a rocha ensaboada, pois por ser tão frequentada a pedra ali ganhou um polimento digno do granito de Yosemite (quem já escalou na meca sabe do que estou falando) … enfim, a Italianos não é mais a mesma, mas continua uma via acessível, linda e – claro – clássica!

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Mas vamos ao que interessa. Qual seria a alternativa não clássica do Pão de Açúcar? Existem várias, mas sugiro duas: na mesma face da Italianos e imediatamente ao lado tem a Cavalo Louco, a caminhada é a mesma. A via é mais apimentada, tem um lance de 6+ e ainda precisa de móveis para o início. Mas de uma forma geral ela tem o grau similar a Italianos, e termina no mesmo ponto de onde você pode pegar o CEPI (cabo) ou emendar pela Secundo para chegar ao cume. Mas tem outra opção ainda mais interessante: Waldo com Secundo, que se conectam pela fácil variante Por Favor não Grampeie (4+), que como o próprio nome diz é toda em móvel. Essa opção fica logo no início da face norte e a caminhada é quase a mesma que a da Italianos.

A entrada é pelo Waldo, uma primeira enfiada de sonho. Fenda perfeita que pode ser protegida com móveis, mas que está grampeada, depois tem mais uma enfiada de face até chegar a um platô e um diedro/chaminé e no final dessa enfiada a “Por favor não Grampeie”, que é uma diagonal para a direita toda em móvel e pronto, se chega no Secundo e a partir daí é só tocar para cima em lances de 6º e 7a, que podem ser passados em artificial se for o caso.

Escalada de dia inteiro, com várias técnicas e dificuldade mediana. Mais difícil que a Italianos? Sim, mas não é uma grande diferença, de qualquer forma é bom estar escalando bem 6º, diedros e fendas.

Calis - Foto: @escaladasclassicas
Via Calis, no Cantagalo – Foto: @escaladasclassicas

Vias no Cantagalo

Inclui o Cantagalo porque tenho conversado com muita gente de fora que conhece ou já ouviu falar muito das clássicas vias “Urbanóides” e “Calis”. O que dizer?! Estão entre as melhores vias tradicionais da cidade sem dúvida nenhuma e se não concorda com isso é porque nunca escalou essas vias ou porque não tem gosto apurado como o meu. Gosto apurado e humildade.

A primeira enfiada da Urbanóides é uma obra prima! Fenda, regletes e até um mini teto, isso tudo em uma parede super vertical. Escalei a Urbanóides no final dos anos 90, era uma época que havia pouca informação disponível, croquis e – ainda havia paz – não existia Instagram ou algo parecido. Cheguei com meu parceiro Dani Boy na base, olhamos a fenda com um grampo lááááááááááá em cima e tocamos. Não sabíamos o nome da via, o grau nem nada, mas ficamos em choque e, a partir de então, viramos frequentadores do Cantagalo.

Uma lembrança curiosa é que ao rapelar da primeira enfiada para o chão, o grampo (na época só tinha um) estava mexendo. Foi super relaxante ver o grampo mexendo para cima e para baixo enquanto o Dani rapelava e depois saber que ia descer usando o grampo bailarino… enfim, bons tempos! Hoje a via está com os grampos a prova de bomba.

Também vale falar um pouquinho sobre a Calis, que para mim era um mito. A segunda enfiada é gringa! Aérea, puxada e linda. É a via da capa do guia da Zona Sul do André Ilha e da Kika. Uma grande escalada!

Então o que fazer no Cantagalo além dessas belezinhas? No setor da Calis tem uma via que curto muito, é a Mais uma Dose 5, 5+, bem constante na primeira enfiada, e depois o grau cai bem, mas para experimentar bem o “clima” da Calis tem a “Um pra Um”, que tem uma enfiada na casa do 6+ atlética que é o filé da via. Atenção na primeira enfiada dessa via, tem um crux de 7a com a proteção bem estranha. De qualquer forma é uma via irada e merece ser visitada.

No final das vias do Cantagalo é esse o visual da cidade - Foto @taisamaar
No final das vias do Cantagalo é esse o visual da cidade – Foto: @taisamaar

Já no setor da Urbanóides eu sugiro a via que fica imediatamente ao lado direito, “Lembranças de um Passado”, dificuldade constante e uma sequência de 5+ no início da segunda enfiada que vale a pena. Vai ter o mesmo visual da Urbanóides, a Lagoa, que fica ainda mais linda no final de tarde. Um programão é escalar essa parede no final do dia, ver o pôr do sol e descer de headlamp.

Recentemente o escalador Flávio Leone abriu um setor de esportivas pertinho dessas vias. Eu curti muito pois são vias que ficam na casa do 6º ao 7b, graus que são meio raros nas esportivas do Rio, que em sua grande maioria ou são rampas de 3 grau ou pancadaria com regletes abaulados invertidos no negativo… Lesiona o dedo só de escrever.

Vias no Pico da Tijuca

Ponto culminante do maciço da Tijuca, ali a escalada é bem diferente da Urca e da Zona Sul, sai completamente do ambiente urbano e a brincadeira fica no meio da floresta, coisas do Rio. A super clássica é a “P3 – Paraíso Perdido”, via tranquila em relação ao grau que fica na casa do 3º e 3+, com um crux bem definido de 5, porém é uma escalada mais exposta e por isso mesmo tem muita gente que leva móveis (na real não é preciso, mas se isso vai te deixar mais animado, manda ver). A P3 é uma clássica perfeita. E as não clássicas dali?

Taísa Maar na primeira enfiada da via P3
Taísa Maar na primeira enfiada da via P3

Tem um monte de via irada nessa parede, mas aqui coloco duas que estão na mesma base da P3: “Caipirinha”, que via!!!!! Não é uma tradicional, está mais para esportiva, só tem uma enfiada. Cotada em 6+, é daquelas vias que é preciso rebolar para um lado e para o outro, você fica parecendo um gringo rosa depois de tomar 2 caipirinhas debaixo do sol em Copacabana, vale muito! A direita dessa tem a “Magia Vertical”, que é mesmo uma masterpiece (apelei para o inglês para não usar a palavra “obra prima” de novo). Começa em um diedro em móvel sensacional, um crux de 7a e depois segue em dificuldade constante até o costão de mato que chega ao cume. É bem mais difícil que a P3, mas uma verdadeira obra prima, ou masterpiece, ou… vocês entenderam.

Me empolguei e o texto acabou ficando um pouco longo, então as dicas do Corcovado e da Pedra da Gávea ficam para o próximo artigo.

IMPORTANTE – Vale lembrar que aqui não coloco informações mais detalhadas das vias, como aproximação, croqui etc., pois para isso tem os guias da Urca, Floresta da Tijuca e da Zona Sul, publicações supercompletas feitas por quem entende do negócio. Outra fonte de informação é o site www.escaladas.com.br, do meu camarada Luciano Bender.

Guias de escalada com vias do Rio de Janeiro

ATENÇÃO! É lógico que esse texto se destina a quem já escala, se nunca escalou e tem vontade, procure por cursos homologados. Escalada é um esporte maravilhoso, mas envolve risco de acidentes graves e até morte e por isso mesmo precisa ser praticado de forma consciente e segura, e lembre-se: YouTube não é curso de escalada!!!

Até breve e boas escaladas!

Kiko Araujo

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Kiko Araujo

Escalador desde 1992, tem trabalhado com o mercado outdoor desde 1998, quando fundou a escola de escalada Parede, com seu amigo e sócio Pedro Lacaz Amaral. Posteriormente, em 2001 fundou a empresa Proativa, que faz a gestão das marcas Deuter, Sea to Summit, Azteq e CamelBak no Brasil. Formado em marketing é especializado em marketing de relacionamento.

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